Cada dia uma celebração
Este ano a UNESCO dedicou o Dia Internacional da Educação, celebrado a 24 de janeiro, às mulheres e jovens do Afeganistão, impedidas de frequentar escolas e universidades. Como foi possível acreditar que os talibãs estavam mais moderados e permitiriam liberdades que antes haviam restringido? Muito cedo os sinais chegaram e os direitos das mulheres foram espezinhados. O Afeganistão é o único país do mundo em que as meninas e as jovens não podem ir além do Ensino Primário, estando impedidas de frequentar o Ensino Secundário e Superior, o que representa 80% das jovens em idade escolar. A proibição de frequentar a universidade afetou 100 mil estudantes e destruiu as árduas conquistas dos últimos 20 anos em que uma em cada três jovens chegava ao Ensino Superior.
Sem qualquer dúvida, a Educação é o mais importante meio para construir sociedades livres, justas, equitativas e mais desenvolvidas. Talvez por isso, o principal meio para regressar ao obscurantismo seja impedir as mulheres de aprender, retirar-lhes direitos e criar sociedades segregadas. Os recentes acontecimentos no Irão trouxeram à superfície desigualdades que diminuem as mulheres. Como tem sido referido, não se trata apenas da questão do uso do hijab, mas de uma repressão em que as mulheres se subordinam aos homens e também estes não podem escolher perante o olhar inquisidor da comunidade. O cinema iraniano tem dado voz a estes mundos contraditórios, de realidades duplas, em que também os homens são prisioneiros. Recordemos o poderoso filme de Asghar Farhadi, Nader e Simin, uma Separação (2011), há pouco tempo exibido em canal aberto, que retrata bem esse mundo em que os estereótipos também pesam sobre os homens.
É por essa razão que a luta das mulheres é também dos homens, como a luta contra todas as formas de discriminação pertence a todos e beneficia todos. Não foi assim há tantos anos que também em Portugal as mulheres tinham de pedir autorização aos maridos para tirar passaporte, viajar ou tirar a carta. Passaram quase 50 anos, mas as formas evidentes de discriminação duraram muitos anos e ainda persistem, amarrando na mesma violência agredidos e agressores.
Se hoje condenamos aquilo que considerávamos tolerável há alguns anos ("entre marido e mulher, não metas a colher", por exemplo), não acreditemos que os caminhos não têm retorno. Os Direitos Humanos, a democracia, a igualdade são valores frágeis e nunca definitivos. Várias vezes a História o tem provado e em várias geografias assistimos ao regresso da barbárie.
Talvez por isso seja importante a celebração de dias internacionais promovida pelas Nações Unidas. Recordar e refletir sobre a Eliminação da Discriminação Racial (21 de março), o Direito à Verdade sobre Graves Violações dos Direitos Humanos e pela Dignidade das Vítimas (24 de março), a Liberdade de Imprensa (3 de maio), as Crianças Inocentes Vítimas de Agressão (4 de junho), a Consciencialização da Violência contra as Pessoas Idosas (15 de junho), os Refugiados (20 de junho), a Democracia (15 de setembro), o Acesso Universal à Informação (28 de setembro), a Erradicação da Pobreza (17 de outubro), a Eliminação da Violência contra Mulheres e Jovens (25 de novembro) e muitos outros.
O Dia Internacional da Educação é o primeiro deste ciclo anual que termina com o Dia Internacional da Solidariedade Humana (20 de dezembro). Cada dia uma celebração. Como num filme ou num livro que nos devolve a memória, celebrar serve para não esquecer que é possível construir e tão fácil destruir.
Diretora em Portugal da Organização de Estados Ibero-Americanos