Bruxelas, este mês

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Bruxelas, um mês. De pé sob
as luzes encantadas, em noites assim
eu extinguiria minha alma,
cantando humildemente.

Herberto Helder

Em Bruxelas, de novo.

Podemos pensar que o silêncio da ausência nos ajudará a reencontrar-nos a nós próprios. Mas quem da pátria sai, a si mesmo não escapa e tudo o que nos envolve em tagarelice e ruído está aqui presente, ao alcance do meu telemóvel.

No mesmo dia, sai uma sondagem aos portugueses e uma sondagem aos belgas sobre o mesmo tema, a situação política nos respetivos países. Enquanto os belgas se exasperam com a incapacidade dos partidos (haverá que conhecer a complexidade do sistema partidário belga...) para formarem um Governo (e a Bélgica vai vivendo com um Governo de gestão), os portugueses mantêm uma fidelidade notável às suas escolhas políticas e os apoios aos diversos partidos mantêm-se nas mesmas proporções.

As diferenças na leitura dos jornais vêem-se mais no espaço relativamente bem maior que os jornais franceses e belgas dedicam à preocupante situação internacional que atravessamos, face à nossa imprensa, que acompanha os acontecimentos, sim, mas com bem menos espaço a eles dedicado.

Um manto de silêncio é o que vim aqui procurar. Esse silêncio que Cristina Campo, a grande e discreta poeta italiana, procurava nas palavras da poesia, inscrição irredutível no deserto das consciências.

Do livro que, de sua autoria, comprei na livraria Tropismes: “A palavra é para mim algo de terrível, é um fio elétrico sem proteção... não podemos impunemente brincar com as palavras”. Mas há quem tenha brincado e pagado o preço...

Um profundo desgosto vem rasgar este imaginário manto de silêncio que eu quis interpor entre mim e a minha circunstância, como dizia Ortega y Gasset. A circunstância hoje é a perda, uma perda mais a magoar-nos após tantas que nos têm vindo a assaltar.

O José Barahona, nosso primo e amigo, deixa-nos, a meio de uma vida rica em felicidades pessoais e em criatividade artística. Com 55 anos, ele situava-se já para nós na geração dos “filhos dos nossos amigos”. Quando ele me pediu para ler poemas no funeral do seu pai, mal podia eu imaginar que, longe das suas exéquias, me viriam à mente palavras de poesia para dizer a sua insuportável falta no meio de nós.

É ao José Barahona, ao Zé Duarte, como lhe chamávamos, que dedico esta página. E desejo que possamos agora rever a sua obra cinematográfica e valorizá-la como merece, enquanto elo relevante que é, e sempre será, na relação entre as culturas portuguesa e brasileira.

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