Brevíssimos ciclos, grandes responsabilidades

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A pouco mais de um mês das novas eleições legislativas, tudo indica que será necessário um acordo pós-eleitoral que assegure um novo Governo em condições de estabilidade política e de previsibilidade de atuação mais do que mínimas. Para isso, existe uma função no sistema a quem o cabe assegurar: a de Presidente da República. Que, estranhamente, não é apenas uma função de débito jorrante de comentários, apartes e fotografias tipo passe e maiorzinhas. Mas o Presidente da República não está sozinho na missão e, como tal, as lideranças dos partidos que alcancem o parlamento devem sentir igual responsabilidade. Nada mais alimentaria a descrença no sistema e nas capacidades de governação dos partidos habituais de poder – ou seja, nutrindo a votação e o discurso do partido Chega – do que a manutenção destes ciclos brevíssimos de poder, de estabilidade de decisão e de horizonte.

Não deixa de ser caricato que, num período já longo de abastança de financiamento externo, de excedentes orçamentais, de aumento de rendimentos e de controlo do desemprego, mesmo a par dos dramas reais da habitação e do poder de compra, os Governos estejam sempre a demitir-se, o parlamento não os consiga suster e o Presidente da República persista em evitar assumir o seu papel. Todos eles insistindo, quase por ironia, desde o período Covid e do conflito na Ucrânia, nos imensos riscos externos da conjuntura...

Crê-se que há a consciência generalizada de que o próximo Governo e o próximo primeiro-ministro, salvo questão imponderável, não poderão ser um Governo e um primeiro-ministro para um ano ou para um orçamento. E isto pode significar várias coisas, sem hipocrisias. Afastando a neste momento improvável hipótese de algum partido ou coligação vir a dispor de uma maioria absoluta na Assembleia da República, terão de ser equacionados acordos parlamentares que sustenham uma equipa de governação e um programa. Aquilo que na Alemanha e em França são realidades recentes, a bem de um pragmatismo que, não sendo alta ciência política, não tem de significar só taticismo partidário – a Alemanha com o seu habitual bloco central, França com um governo em que dois antigos primeiros-ministros são agora ministros.

Isto significa realisticamente uma de três hipóteses, com as suas opções ideológicas subjacentes: um governo baseado na direita e no centro-direita, retirando naturalmente daqui o Chega, mesmo com a hipótese de este vir a crescer com um seu percurso reforçado de oposição; um governo baseado na esquerda e no centro-esquerda, o que já deu bons resultados entre 2015 e 2019; ou um governo de acordo ao centro político, baseado no apoio de PS e PSD. E, no limite, o futuro primeiro-ministro poderá não ser sequer nem Luís Montenegro nem Pedro Nuno Santos, mesmo se tal fosse desejável, atendendo à tradição política nacional e à legitimidade destas lideranças perante os eleitores. Mas a centralidade do nosso sistema político, nesta dimensão, pertence ao parlamento (e, logo, aos partidos) e a uma intervenção clara do Presidente da República.

Estas não serão eleições para ratificar ou branquear a atuação de Luís Montenegro. Estas não serão também eleições para sentenciar o atual primeiro-ministro. Essas dimensões pertencem ao universo do debate e da decisão política e às autoridades judiciárias e em nada dependem de eleições. Estas serão eleições para eleger os deputados que terão a missão de garantir que este País se governa mais do que uns meses.

Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

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