Brasil, o país do cinema?
Desde o Mundial2002, em cinco edições da principal prova do futebol por seleções, o Brasil só passou uma vez dos quartos de final, quando acabou goleado, nas meias-finais de 2014, pelos célebres 7-1 da Alemanha, em Belo Horizonte. As causas para a decadência do futebol canarinho são contraditórias: por um lado, falta de confiança, apelidada no país como “complexo de vira lata”, por outro, soberba.
Para combater a decadência, o Brasil tem, desde segunda-feira, o que não tinha há 60 anos: um selecionador estrangeiro. A missão do italiano Carlo Ancelotti, que fazia parte – ao lado de três portugueses, Jesus, Abel e Mourinho – de uma lista de quatro candidatos, é resgatar o orgulho da única Pentacampeã Mundial. O orgulho da seleção do “país do futebol”.
Mas o Brasil não é só o “país do futebol”: também é, com todo o mérito, o “país do Carnaval”. E, no entanto, em 2025 os brasileiros, por uma vez, dividiram as atenções entre aquela e outra festa: a cerimónia de entrega dos Óscares.
Afinal, naquela noite o Brasil concorria pela primeira vez a três estatuetas ao mesmo tempo e com fortes hipóteses de ganhar, pelo menos, uma. Ganhou-a. Ainda Estou Aqui, que estava nomeado ainda para Melhor Filme, foi considerado o Melhor Filme Estrangeiro. Fernanda Torres não ganhou o Óscar de Melhor Atriz, mas já tinha levado o Globo de Ouro pela atuação no filme, dois meses antes.
Passou o Carnaval, passou a Páscoa e, 24 horas antes de Ancelotti desembarcar no Brasil, o Festival de Cannes atribuía a Wagner Moura o inédito Prémio de Melhor Ator pela atuação no filme O Agente Secreto, de Kléber Mendonça Filho, que venceu na categoria de Melhor Realizador. Cannes, aliás, elegeu o Brasil como país de honra da edição de 2025 do festival, o que se traduzirá em negócios acima de 70 milhões de dólares no mercado audiovisual.
Mesmo estreando apenas em novembro, Ainda Estou Aqui foi o sexto filme mais visto de 2024 nas salas de cinema brasileiras. Em 2025, vai em quarto lugar ombro a ombro com poderosas produções de Hollywood. O Agente Secreto deve seguir caminho semelhante.
O sucesso do cinema brasileiro é ainda mais festejado por surgir logo após o período crítico de 2019 a 2022, quando o governo de Jair Bolsonaro optou “por não ter política cultural nenhuma”, como resumiu a produtora Andrea Barata Ribeiro ao site Poder360. “A ideia era que não contássemos com uma diversidade de produtos culturais, mas apenas com aqueles que tivessem viabilidade económica, um raciocínio tacanho, equivocado e prejudicial aos interesses do país.”
Acresce, diz ao mesmo site Arthur Autran, autor do livro Pensamento Industrial Cinematográfico Brasileiro, “que parte da elite intelectual concebeu o estigma de que os filmes brasileiros são maus, um estigma que chegou à elite política e económica”.
Em sentido contrário, numa cerimónia no último dia 20, o presidente Lula da Silva, ufano, já chamou até ao Brasil “país do cinema”. Eis os brasileiros sempre a oscilar perigosamente entre a falta de confiança, apelidada no país como “complexo de vira-lata”, e o seu contrário, a soberba.
Jornalista, correspondente em São Paulo