Brasil e Portugal: uma parceria que o passado uniu e o presente reuniu

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Há 202 anos, no dia 7 de setembro de 1822, o Brasil nascia como nação independente pelas mãos de ninguém menos que Dom Pedro, herdeiro do trono de Portugal. O príncipe português chegara ao Brasil em 1808, juntamente com a família real, transferida ao Rio de Janeiro na esteira das Guerras Napoleónicas na Europa. Em 1821, com o retorno de D. João VI a Lisboa, coube a Dom Pedro, já na qualidade de príncipe-regente, a missão de administrar o Brasil.

O que se deu na sequência, no entanto, seguiu roteiro distinto: precipitaram-se os acontecimentos e D. Pedro proclamou a Independência, tornando-se imperador do Brasil, com o nome de D. Pedro I.

Ao revisitar episódios célebres da vida do Brasil e de Portugal, não é outra a minha intenção senão lançar luz sobre a indiscutível singularidade dos laços que nos unem. Os eventos que rememoro, sem paralelo entre outras nações, são profundamente ilustrativos da forma como se entrelaçaram as histórias de Brasil e Portugal.

É natural, portanto, que as inumeráveis interseções de nosso passado comum tenham inspirado, ao longo do tempo, debates e reflexões tão fascinantes quanto necessários a respeito da natureza do relacionamento Brasil-Portugal.

É da atualidade dessa fecunda tradição que hoje me sirvo para, na honrosa condição de Embaixador do Brasil em Portugal, refletir sobre “a mais perfeita amizade” prenunciada desde 1825, no Tratado de Paz e Amizade que deu formalmente início às nossas relações bilaterais.

Muito já foi dito a respeito dos fatores que deram origem ao vínculo único que se estabeleceu entre Brasil e Portugal.

O duradouro legado português no Brasil estendeu-se sobre os domínios da cultura, da economia e da sociedade, moldando elementos tão fundamentais para a formação de nossa identidade quanto a língua e as tradições religiosas.

A independência brasileira suscitou ajustes, mas a dinâmica que prevaleceu a partir de então foi a de duas nações soberanas profundamente conscientes de seus laços históricos e humanos como pedras angulares de seu relacionamento.

O vigor desses vínculos fez-se notar não apenas nos fluxos migratórios registrados entre os dois países ao longo do tempo, mas também em momentos particularmente desafiadores, como no período em que muitos portugueses escolheram o Brasil como base de resistência contra a ditadura salazarista, ou quando brasileiros - entre eles o ex-presidente Juscelino Kubitschek - partiram para o exílio, encontrando, em Portugal, abrigo das perseguições sofridas durante o regime militar, que se instalara no Brasil em 1964.

Na virada do século XXI, após a redemocratização do Brasil e a estabilização de sua economia, as interações Brasil-Portugal passaram por transformações substanciais, ganhando complexidade e maturidade decorrentes do adensamento do diálogo político e diplomático, bem como da intensificação das trocas económicas, comerciais e culturais, entre outras dimensões que hoje concorrem para compor o rico e multifacetado mosaico de nosso relacionamento.

O Tratado de Porto Seguro, assinado em 2000, marcou essa mudança de patamar, ao consolidar em um único documento todo o arcabouço de acordos celebrados nas décadas anteriores; sistematizar a cooperação bilateral nos mais diversos domínios em torno da Comissão Bilateral Permanente; e consagrar a igualdade de direitos e obrigações de cidadãos brasileiros e portugueses.

Em registro mais recente, os Governos de Brasil e Portugal, cientes de que as relações bilaterais encontravam-se aquém de seu potencial, promoveram o relançamento de nossa parceria durante a XIII Cimeira Brasil-Portugal, realizada em abril do ano passado em Lisboa, após mais de seis anos de hiato. A próxima cimeira deverá realizar-se no Brasil, no início de 2025, coincidindo com o bicentenário das relações bilaterais.

Hoje, nossos países mantêm uma agenda dinâmica e diversificada, que inclui cooperação em investimentos, comércio, indústria aeronáutica, transição energética, segurança e defesa, ciência, tecnologia e inovação, saúde, educação, cultura e promoção da língua portuguesa.

Nesse cenário, não são poucos os setores em que nossa parceria apresenta potencial cada vez mais promissor. Cito apenas dois. Na indústria aeronáutica, nossa cooperação - que envolve a produção de componentes e o desenho industrial do avião cargueiro KC-390 da Embraer e poderá expandir-se para outros projetos - simboliza uma nova era em nossas relações económico-comerciais de alta tecnologia, ao contribuir diretamente para a geração de divisas e de empregos de qualidade em ambos os países.

Na área de investimentos, a situação também é auspiciosa: Portugal está entre os 20 maiores investidores estrangeiros no Brasil e os crescentes investimentos brasileiros em Portugal já superam aqueles destinados às maiores economias europeias, como Alemanha e França.
No plano global, o engajamento construtivo e os compromissos de Brasil e Portugal com os valores democráticos, o desenvolvimento sustentável inclusivo, o multilateralismo, o respeito ao direito internacional e a defesa da solução pacífica de controvérsias contribuem para fortalecer os meios de que dispõe a comunidade internacional para deter os efeitos simultâneos de mudanças climáticas e disputas geopolíticas cada vez mais intensas e ameaçadoras.

A essa convergência de visões, acrescentamos, este ano, uma vertente inédita: a convite do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Portugal participa este ano, pela primeira vez, das reuniões do G-20. Nesse contexto, a esperada decisão portuguesa de participar, como membro fundador, da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza - iniciativa lançada no passado mês de julho com a presença do Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, Paulo Rangel - deverá dar valioso impulso à iniciativa.

Haveria ainda muito por destacar. Quero, no entanto, concluir com uma palavra a respeito de um componente que Brasil e Portugal reconhecem ser o principal ativo de nosso relacionamento. Refiro-me às pessoas.

Jamais podemos perder de vista que nenhum dos acontecimentos que forjaram nossa história comum e nenhuma das iniciativas que elevaram nossas relações ao nível em que hoje se encontram teriam sido possíveis sem os portugueses que têm ajudado a formar o Brasil ao longo dos últimos cinco séculos, nem os milhares de brasileiros que vêm dando inestimável contribuição para a prosperidade de Portugal.

Em última análise, o que celebramos no dia 7 de setembro é a contribuição perene de cada um deles - anónimos ou ilustres - para a obra de desenvolvimento do nosso país e para a solidez dos laços que já não apenas unem, mas também reúnem Brasil e Portugal.

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