Brasil – as interrogações de domingo

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A campanha eleitoral brasileira, em todos os patamares submetidos a votação, permite algumas constatações e deixa bastantes imponderáveis.

Para a Presidência, se o nível intelectual e a transmissão de segurança nas declarações dessem vitória, a Senadora Simone Tebet ganhava fácil. Por outro lado, se a capacidade contrariar um adversário grosseiro, dando mesmo a impressão que ele pode levar umas unhadas de onça ou ser reduzido a penetra de festa junina, ganhava Soraya Thronicke, também Senadora e também do Mato Grosso do Sul, ou seja, ambas pantaneiras.

Nos dois sentidos ambas ganharam projeção nacional e elogios de analistas prestigiados.

Mas não se ganha só com esses atributos e a experiência política não decorre nem da competência, nem da coragem mordaz. Decorre de longas rotas na construção de imaginários políticos e de se usar esse imaginário e essa experiência para criar uma máquina partidária com poderosas alianças, indispensáveis à transmissão de perfil vencedor. Ninguém aposta em causas perdidas e poucos apostam nos perfis em construção. Têm de ser construídos.

É a partir dessa transmissão - quer dizer, boa comunicação com a sociedade - que se envia a mensagem correspondente aos anseios e entendimentos sociais, se conhecem suas constantes mudanças e se escolhem as camadas mobilizáveis. Lula e Bolsonaro têm esses atributos a superar largamente suas modestas formações educativas, permitindo-lhes desenvolver campanha na base do elogio às suas próprias ações governativas.

As duas Senadoras pantaneiras têm muito menos rejeição que os dois candidatos colocados no topo das sondagens, mas também são muito menos ouvidas. Para os partidários de Lula e de Bolsonaro há as urgências acima de tudo. Num caso a urgência é ganhar já na primeira volta para reduzir o tempo de manobra do adversário, no outro trata-se de ganhar tempo porque o desgaste auto-provocado foi enorme.

Neste momento, a economia brasileira dá uma soma de resultados modestos mas enfim positivos. Porém, isso influi pouco no eleitorado porque os novos dados pouco mudam a uma década de decadência. O atual Presidente notou que uma parte do seu eleitorado

achava graça a linguagem pouco adequada à função presidencial, mas não notou que gradualmente ela ia achando menos graça. Ultimamente procura ser mais educado, menos colado á imagem de extrema-direita. Claro, os adversários e adversárias não acreditam nem esquecem os antigos discursos.

Lula fez esquecer o mensalão e o petrolão num grau suficiente para não ser incomodado demais nessas matérias, até porque o tratamento que lhe foi dado pelo ex juiz Sérgio Moro, teve tudo menos prática jurídica civilizada, acabando por desacreditar a acusação.

Lula é mais forte que o PT. Dado conhecido há bastante tempo pode traduzir-se nos resultados para governadores, senadores e deputados estaduais e federais. Falta saber se desta vez acentuará a diferença de força ou se transfere fatores de equilíbrio interno. Na verdade, várias candidaturas presidenciais servem sobretudo para marcar presença e visibilidade dos projetos partidários em geral. Nisso, as duas senadoras pantaneiras parecem apresentar uma relação custo-benefício interessante para seus partidos, ao mesmo tempo que foram muito acima do simples papel de figurantes. Detalhe que várias lideranças desses mesmos partidos não apreciam nada.

Lula e Bolsonaro, cada um com visão própria do voto útil, tinham o imperativo de o aplicar a eles próprios e a toda a estrutura de poder em disputa, algo que não dependia só deles. O empenho próprio de candidatos a outros escalões estaduais ou federais é crucial e a avaliação dos comportamentos em Estados decisivos, torna as previsões aleatórias. É o problema geral das sondagens: a inerente margem de erro se for até aos limites faz grande diferença.

É um dos imponderáveis. Entre os outros estão as dúvidas sobre abstenção num país de voto obrigatório para a maioria das faixas etárias, que camadas sociais se abstêm mais, qual o peso e linha de fidelidade dos eleitores de ​​​​​​​Ciro Gomes, Simone Tebet, Soraya Thronicke e se quem perder tem intenções e meios de levar as coisas para outras arenas.

*professor, escritor e investigador.

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