Biden venceu as eleições presidenciais dos Estados Unidos em novembro de 2020 por uma margem mínima. Se apenas 21.500 votos em a Biden (0,000135% dos 158,4 milhões de votos expressos) nos três estados do Arizona, Geórgia e Wisconsin tivessem ido para Trump em vez de Biden, Donald Trump teria sido reeleito. Nas mesmas eleições em 2020, o Partido Democrata mal conseguiu o controle do Congresso com uma vitória surpreendente nas duas eleições para o Senado da Geórgia, permitindo-lhe ter a menor das margens com o Senado a 50-50 com o voto decisivo da vice-presidente Kamala Harris. Os Democratas também conseguiram obter uma pequena maioria de 9 pessoas na Câmara dos Representantes..Apesar dessa pequena margem nas duas Câmaras e operando num ambiente de extremo partidarismo, Biden lançou uma grande agenda multidimensional e, para surpresa de muitos, superou as expectativas. Entre as suas conquistas mais significativas, conseguiu que o Congresso aprovasse quatro projetos lei significativos que envolveram verbas impressionantes no valor de 3,7 biliões de dólares: i) a Lei do Plano de Resgate Americano que se traduziu em 1,9 biliões de dólares (março de 2019), ii) a Lei de Emprego e Investimento em Infraestrutura, representando 1,2 biliões de dólares (novembro de 2019), iii) a Lei de Chips e Ciência que significa 280 mil milhões de dólares (agosto de 2022) e iv) a Lei de Redução da Inflação que implica 385 mil milhões de dólares (agosto de 2022). Também empreendeu muitas ações menos visíveis em busca da sua agenda global..O somatório dessas múltiplas ações legitima a afirmação de que a presidência de Biden é verdadeiramente transformadora, conduzindo a América numa direção radicalmente diferente daquela seguida nas últimas décadas. Biden está a direcionar os EUA para uma era "pós-neoliberal" e também está a tentar transformar o cenário político dos Estados Unidos e do Partido Democrata. Este artigo é o começo de uma série que procura entender os novos rumos que o governo Biden tem levado a cabo, com o intuito de avaliar o resultado provável e impacto, tanto para os Estados Unidos como para o resto do mundo..Vamos então começar pela a história recente, iniciando com a presidência de Ronald Reagan, que no seu discurso de posse em janeiro de 1981 fez a sua famosa declaração "O governo não é uma solução para o nosso problema, o governo é o problema". Isso marcou o início de quase 40 anos de ortodoxia neoliberal conservadora, em que tanto os governos Republicanos como os Democratas adotaram uma filosofia de governo minimizando o papel do governo em favor da promoção do mercado livre. O presidente Democrata Bill Clinton em.1996 confirmou essa visão com a sua declaração de que "a era do governo grande acabou"..É evidente que com a administração Biden, o "grande governo" está de volta, sinalizando uma nova era pós-neoliberal. E o principal arquiteto dessa grande mudança na filosofia económica do governo dos EUA é o improvável ex-senador moderado de 80 anos, Joe Biden..Claro que, como todas as grandes mudanças, não acontecem da noite para o dia. Há sempre fatores anteriores que preparam o terreno e quando a mudança se dá, parece quase natural. Podemos apontar quatro fatores importantes neste caso: a) a Grande Recessão de 2008-2009, b) a ascensão da China, c) A COVID-19 e, talvez o mais significativo, d) a presidência de Donald Trump..a) A pior recessão económica dos Estados Unidos desde a Depressão da década de 1930, a Grande Recessão de 2008-2009, não apenas mostrou claramente o fracasso do modelo económico anterior, mas também exigiu uma intervenção maciça do governo para salvar os setores automóvel e financeiro dos Estados Unidos e injetar dinheiro para revitalizar uma economia enfraquecida, obrigando o governo a envolver-se na atividade do setor privado numa escala inédita nos últimos 70 anos..b) Uma das poucas áreas em que Democratas e Republicanos concordam é na ameaça representada pela ascensão da China. É interessante notar que a reação dos EUA a essa ameaça é, em parte, copiar o modelo chinês, na busca de uma gestão nacionalista e agressiva da economia liderada pelo governo..c) A COVID-19 levou ao envolvimento direto do governo na economia em grande parte do mundo e os EUA não foram exceção. A magnitude da ameaça representada pela pandemia levou os governos a colocar as economias em "coma induzido" para reduzir a propagação da doença, implicando um custo enorme, e depois injetando enormes quantias de dinheiro para despertar o paciente e voltar a pôr a economia no seu nível de atividade normal, aceitando de novo que para lidar com uma crise de tamanha dimensão, a solução passa por ter um "grande governo"..d) É tentador descrever a mudança na filosofia do governo como a "Transformação Trump-Biden". Foi Trump, mais do que qualquer outro, quem mudou a atitude dos EUA em relação à China, insistindo que a China era uma ameaça séria, e ignorou a ortodoxia económica Republicana, criando enormes aumentos na dívida do governo. Além disso, a surpreendente vitória de Trump nas eleições presidenciais de 2016 mostrou que o Partido Democrata tinha perdido contacto com grande parte da classe média dos EUA, uma lição que Biden sem dúvida aprendeu..Mas mesmo que a presidência de Trump tenha sido precursora dessa mudança na filosofia de governo, a administração Trump não a realizou, tendo esse papel sido deixado para o seu sucessor, Joe Biden..No próximo artigo darei início a uma descrição dos vários capítulos dessa transformação dos EUA..Um de uma série de artigos sobre politica, economia e sociedade dos EUA. Artigos anteriores e outros comentários em inglês disponíveis no website: https://rendezvouswithamerica.com.Autor de "Rendez-Vous with America, an Explanation of the US Election System", Presidente do American Club of Lisbon. Opiniões aqui expressas são pessoais e não vinculam o American Club of Lisbon.