BE e PCP em vias de extinção

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Esta crónica é sobre a esquerda à esquerda do PS. Mas começo por falar da direita à direita do PSD. O que aconteceu a 30 de janeiro mostrou como duas suspeitas se tornaram factos. A primeira é a de que os partidos podem ser extintos, à força das cruzes nos boletins de voto. Aconteceu com o CDS. A segunda é a de que os vazios criados no espetro partidário são necessariamente preenchidos, e nem sempre para melhor. Aconteceu com o Chega e a IL. Voltando à esquerda, a noite eleitoral do último domingo acelerou a espiral de extinção do PCP e do BE. Também do PAN, mas essas são contas de outro rosário. Perante esta tendência, a pergunta que me ocorre é se será este um caminho definitivo e quem ocupará o vazio criado.

As explicações adiantadas por comunistas e bloquistas para o fracasso eleitoral não colhem. Primeiro, a tese de que o PS fez um orçamento para ser chumbado e ir para eleições à procura da maioria absoluta. Esta ideia bate na trave, porque, a ser assim, porque raio teriam BE e PCP feito a vontade ao PS, votando contra o OE? E bate também no poste, porque dos sete orçamentos apresentados por António Costa, o de 2022 era o mais à esquerda. Digo-o eu que trabalhei na construção dos primeiros seis. Depois, a desculpa das sondagens e da bipolarização, como se o jogo das respetivas interpretações fosse algo de novo e substituísse a votação. Ironicamente, todas as sondagens apontavam para a forte penalização destes dois partidos, o que de facto aconteceu. Por fim, a pandemia e a rábula do SNS. Os comunistas consideraram-se prejudicados por não poderem fazer uma campanha de proximidade, como se isso tivesse sido uma dificuldade só sua. Os bloquistas insistiram naquilo que pensavam ser o seu porquinho-mealheiro dos votos, que era queixar-se do SNS, quando a esmagadora maioria da população o enalteceu e nele confiou.

Este estado de negação esconde o problema mais profundo das duas forças partidárias, que é o de se terem entrincheirado numa visão do mundo, da sociedade e do país que já não existe e que não está no imaginário dos portugueses. Embora melhor escondido no Bloco, que tem sido mais hábil no exercício de mascarar a sua ideologia, em ambos os casos subsistem ideias, ora ultrapassadas, ora radicais, que não acompanham um país de cultura europeia ocidental. BE e PCP são, essencialmente, contra. Em todas as suas intervenções jaz uma matriz ideológica inviável e fossilizada. Contra a Europa, o Euro, a OTAN, a OCDE, o FMI, o BCE e a UE. Contra o défice zero, o pagamento da dívida pública e a banca. Contra o capitalismo, as grandes empresas, os patrões e a propriedade privada. Contra as barragens, as torres eólicas, o nuclear, os painéis fotovoltaicos e o lítio.

Esta esquerda à esquerda do PS recusa modernizar-se. As boas intenções de ajudar os pobres e oprimidos, de levar justiça, saúde e educação a todos e de olhar pelos direitos das minorias, nas quais quase todos nos revemos, esbarram na impossibilidade de mobilizar uma caixa de ferramentas políticas, sociais, económicas e ambientais que se integre na sua visão do mundo. Perante isto, o eleitorado tem vindo a acentuar a insolvência desta ala esquerda. Em 2015, comunistas e bloquistas valiam cerca de um milhão de votos; hoje, já valem menos de metade disso.

Para evitar a extinção, não vejo outra saída que não a da refundação desta esquerda mais à esquerda. A sua visão do mundo e o seu perímetro ideológico precisam urgentemente de uma atualização. Se o não fizerem, o vazio será preenchido por outros.

Professor catedrático

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