Avisos à navegação

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Depois de há algumas semanas Mário Centeno ter aconselhado os agentes económicos portugueses a reforçarem a sua poupança, esta semana o Governador do Banco de Portugal entendeu ser necessário fazer um novo “aviso à navegação”, mostrando-se preocupado com a evolução das contas públicas e, mais concretamente, da despesa.

Saltou à vista a previsão do Banco de Portugal de que voltará a haver défices orçamentais já a partir do próximo ano. Sendo Mário Centeno um dos responsáveis pelo processo de consolidação orçamental e da redução da dívida pública face ao PIB, trajetória que Portugal tem seguido com evidente sucesso desde o período pós-troika, é normal que utilize a sua influência e notoriedade para alertar quanto ao risco de um retrocesso.

As declarações acompanharam a publicação do Boletim Económico do BdP que, desta vez, consagra um capítulo à análise da decomposição das projeções do Banco de Portugal para a variação da despesa líquida em 2024 e 2025. A escolha dos temas do Boletim não é feita ao acaso e parece ser, em si mesma, uma mensagem. Olhando para os dados apresentados percebe-se que as principais variações ocorrem ao nível dos salários da função pública e das pensões. São rubricas que têm “memória”, no sentido em que são atualizadas anualmente de forma automática através de coeficientes legais e, portanto, uma base maior implica que os anos seguintes terão aumentos ainda maiores.

A situação das contas públicas do país é, de momento, bastante favorável, sobretudo se tivermos em conta o contexto económico e financeiro de alguns dos principais países da Europa. As previsões continuam a mostrar uma diminuição do rácio da dívida pública em relação ao PIB e taxas de crescimento que comparam bem com os países mais desenvolvidos da UEM. Porém, uma eventual desaceleração do crescimento, ou do deflator do PIB, poderá colocar esta trajetória em risco. Dito de outra forma, será de evitar aumentar a despesa de forma permanente, sob pena de um par de anos maus em termos de crescimento deitarem tudo a perder. É por este motivo que a proposta do Governo de não tornar permanentes o aumento das pensões era prudente.

A fragmentação do Parlamento teve como uma das consequências a inscrição no Orçamento de 2025 de despesa à revelia do Governo, algo que se poderá repetir no próximo ano para o OE de 2026. E, claro, como o Governo também tem a intenção de reduzir impostos, poderá gerar um efeito cumulativo perverso. Esse é o tipo de comportamento que Centeno não gostaria de ver repetido e por isso o discurso de sexta-feira passada. Menos compreensível são as críticas da oposição, instrumentalizando o relatório do Banco de Portugal porque, em rigor, foi responsável por parte importante do aumento de despesa permanente inscrita no OE 2025 e que, como explicado, terá reflexos nos anos seguintes.

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