Autonomia energética e elites iluminadas
A guerra na Ucrânia veio relembrar aos europeus que não basta promover a transição energética, é necessário também garantir no presente o acesso a energia. Num contexto de dissociação económica com a Rússia, principal fornecedor de energia à Europa. No caso de Portugal a questão é sobremaneira importante, uma vez que importamos a larga maioria da energia consumida. Uma vez que >70% da energia consumida em Portugal provém de recursos fósseis, o país tem vindo a fazer uma forte aposta na energia eólica e na solar. As centrais solares e eólicas demoram tempo a criar e não vão resolver todos os problemas energéticos do país; basta pensar que c. 40% da energia total consumida são combustíveis (não-bio) para veículos. No caminho para uma maior autonomia, mister é discutir uma política energética com fontes de energia mais diversificadas, a idêntico do que sucede com muitos outros países.
Alguns sugerem, timidamente, que se estude a hipótese nuclear. Países como os EUA, a China, o Japão, a Alemanha, a França, a Espanha, o Reino Unido, a Índia, a Ucrânia têm centrais nucleares. Mas, como é sabido, as elites desses países são incapazes do nível de profundidade intelectual e técnica das nossas... Sim, alguns estão a descomissionar essas centrais, outros não, em todos há intenso debate, especialmente em torno de reatores modulares pequenos (SMRs), baratos e de construção rápida. Por cá, a discussão é tabu.
"As elites lusas necessitam ter uma postura menos "iluminada" e mais aberta à diversificação das fontes de energia; sob pena de um dia despertarmos para uma realidade similar à experienciada pelos alemães em 2022... só que sem os recursos financeiros da Alemanha."
No que concerne à energia hidroelétrica, nem é bom falar... Está para vir a barragem que não gere "impactos ambientais e sociais negativos"... e na biodiversidade e nos habitats da vida selvagem. Político que se preze nem utiliza as palavras "barragem" ou "hídrica"...
E extrair lítio de solo luso, ainda que em áreas remotas, refiná-lo, criando empregos, trazendo investimentos significativos ao interior e compensando o impacto ambiental? Nem pensar!... Consumir produtos com lítio extraído e transformado noutros países - quantas vezes em situações deploráveis a vários títulos - já não suscita qualquer protesto.

Fazer furos de prospeção na plataforma continental portuguesa para apurar se temos petróleo e gás para ter maior autonomia energética e criar riqueza (v. caso da Noruega), cruz, credo, vade retro Satanás!; mas consumir petróleo e seus derivados produzidos noutras partes do mundo já é perfeitamente aceitável... "Então vamos explorar hidrocarbonetos numa altura de transição energética?" Sucede que a transição energética vai demorar muitas décadas. Várias potências emergentes fazem aumentar a procura de energia e, durante muitas décadas vão utilizar como fontes de energia o petróleo, o gás, o carvão.

Por isso os produtores dessas fontes de energia continuam a fazer investimentos nelas. Se estes investimentos não fossem feitos, em breve estaríamos a pagar o dobro pelo petróleo e pelo gás. No caminho para uma economia mais sustentável com forte prevalência de fontes de energia verdes é essencial que a transição energética seja gradual, realista e visando maior autonomia. Para que isso suceda, as elites lusas necessitam ter uma postura menos "iluminada" e mais aberta à diversificação das fontes de energia; sob pena de um dia despertarmos para uma realidade similar à experienciada pelos alemães em 2022... só que sem os recursos financeiros da Alemanha.
Consultor financeiro e business developer
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