Até que os turistas se fartem de nós
Em julho de 2019, Câmara Municipal de Lisboa (CML) aprovou a compra de 11 prédios à Segurança Social. Em 10 deles iria nascer habitação acessível, no 11.º uma residência universitária. O município reconstruiu, requalificou e colocou no mercado de arrendamento 250 casas em zonas centrais da cidade, como a Praça do Saldanha, Entrecampos, a Visconde Valbom ou a Avenida Estados Unidos da América. Nessas casas vivem atualmente 500 pessoas que podem pagar as respetivas rendas, que não ultrapassam 30% do seu rendimento líquido. A residência da Alameda e as suas 320 camas para estudantes faz parte deste lote.
O PS provou que não é obrigatório construir novo para aumentar o parque habitacional público, porque reabilitar e reconstruir também é uma resposta eficaz. Apesar disso, a medida mereceu a abstenção do PSD e do CDS-PP, que estavam na oposição. Um sinal do que aí vinha.
Ao longo de uma gestão que já leva mais de três anos e meio, o entendimento de Carlos Moedas tem sido de que a Câmara de Lisboa não deve comprar nada ao Estado. Foi a justificação para não avançar com o prometido Centro Intergeracional da Ajuda, um dos quatro centros prometidos e não-concretizados, com o lamento de que o Estado não queria doar o imóvel à Autarquia e que não fazia sentido a Administração Local comprar à Administração Central algo que era público. Já alguém lhe deve ter explicado, entretanto, que tal doação contrariaria a lei, mas o desinteresse por essa via permaneceu. Tal como o desinteresse por vários projetos de renda acessível que o PS tinha previsto e que foram abandonados ou protelados ad aeternum.
Em 2023, Carlos Moedas até anunciava um programa de compra de casas no mercado porque essa era “uma solução mais rápida” para a utilização das verbas do PRR, mas acabou por adquirir apenas um prédio na Praça José Fontana com recurso ao direito de preferência. Havendo financiamento disponível, não se percebe porque fracassou este programa, nem a recusa em compra de património público ao Estado.
Em março, o PS conseguiu fazer aprovar por unanimidade uma avaliação da CML aos imóveis que o Governo se prepara para colocar no mercado este ano, com vista a comprar os que tenham potencial de habitação. Só na cidade de Lisboa são 17 imóveis e 85 mil m² que podem garantir casas a centenas de famílias. Seria incompreensível que a CML ignorasse a hipótese de ter habitação acessível na Avenida 24 de Julho, no antigo edifício do Ministério da Educação, ou na Avenida Gomes Teixeira, até agora Presidência do Conselho de Ministros. Só que não sabemos o que foi feito desde então. Visitaram os imóveis? Pediram orçamentos para as obras necessárias? Ou, como todas as propostas aprovadas de que Moedas não gosta, esta também ficou na gaveta do esquecimento?
Num país em que o preço da habitação está 36% acima da média da OCDE e 50% acima da Zona Euro, em que o custo das casas mais do que duplicou na última década, perder oportunidades destas é indesculpável. A crise da habitação leva os habitantes para fora do centro e para fora da cidade. Compromete a capacidade para atrair e reter talento, afasta empresas inovadoras, reduz a diversificação da economia, tem impacto negativo no crescimento da produtividade e dos salários.
A falta de acesso ao mercado de habitação deixa os lisboetas sem casa e coloca Lisboa num patamar inferior da competitividade. A longo prazo, se a situação não for revertida, a cidade estará condenada a ser apenas mais um destino turístico. Até que os turistas se fartem de nós.
Presidente da Junta de Freguesia de Alcântara