Atenção ao que o Facebook faz e não apenas ao que sugere

Nesta semana dois bancos norte-americanos faliram, o que alimenta fantasmas - e bruxas. Mas a empresa detentora do Facebook, Instagram ou WhatsApp despediu 10 mil funcionários e retirou 5 mil vagas de emprego que tinha abertas. Na verdade, isso sucede-se apenas a outros milhares de despedimentos que já tinha concretizado há quatro meses. Reduziu assim, em pouco mais de um trimestre, em 25% o número dos seus funcionários à escala global.

Pode bem dizer-se que, perante um cenário em que as empresas são essencialmente governadas para os seus credores diretos e para os credores dos seus acionistas, para agências de rating (o que é provavelmente a mesma coisa) e para um futuro tão alargado e imprevisível como é um trimestre, que isto nada significa de substancial e mais permanente. Ou que é apenas o mercado a funcionar, de acordo com os estímulos e previsões possíveis.

Mas não é aparentemente estranho? Que a empresa que estruturou o mundo tal como o conhecemos na última década e meia tenha reduzido, tão rapidamente, as suas pessoas num quarto? Ou seja, a pergunta relevante parece ser esta: o que está a acontecer e não sabemos ainda?

Claro que há muito que sabemos, por demais evidente. Guerra expressa e implícita. Rearmamento. Inflação. Especulação. Incerteza. Caos energético. Pandemia que massacrou países, populações, negócios, famílias e deixou consequências. Mas os magníficos algoritmos da Meta, dona do Facebook, que não servem apenas para nos apresentar restaurantes na zona ou serviços na Internet, provavelmente indicam já algo de mais estrutural, de mais permanente, de ainda mais duro.

Recordo-me agora de algo que uma amiga economista que contou. Trabalhava ela em Londres, talvez em 2007, numa consultora financeira, uma muito jovem economista portuguesa na City. E reparou, quase por acaso, a certa altura, que as lojas de roupa feminina estavam, quase todas, com grandes descontos, saldos fora de época, ofertas que pareciam desajustadas do clima ainda de tranquilidade e confiança económica que se vivia. Numa reunião da empresa, assinalou essa estranheza, esse aparente desacerto e alertou que isso poderia significar que o dito mercado estava já a funcionar num cenário de crise económica e que isso deveria ser tido em conta, por mais contrafactual que isso parecesse. Foi, naturalmente, de uma forma que imagino paternalista, tranquilizada pelos seus pares. Pouco tempo depois, sabemos bem o que aconteceu.

O Facebook e o Instagram cortaram 25% dos seus trabalhadores em quatro meses?

Creio que é de esquecer os relatórios bem formatados e editados de prospetiva económica, os pareceres sempre certos e inequívocos da banca, os palpites nunca errados dos génios dos mercados. Algo está a acontecer e será pior do que hoje vivemos. Podemos, claro, fingir convenientemente que tudo é passageiro, transitório, que a guerra vai acabar em breve, que a energia limpa e total está ali mesmo ao virar da esquina, que o mundo será sempre o que se desenhou e aprendeu nos bancos da escola e que há uma regularidade infalível à qual se voltará rapidamente. O problema é o de todo o pensamento mágico: por mais sedutora e confortável que seja uma aparente explicação, nada a suporta para além do nosso medo.

Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

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