Até quando vamos conduzir os nossos carros?
A condução autónoma de veículos, sem qualquer intervenção humana, será uma das grandes corridas do Sec. XXI. Grande parte desse caminho já está percorrido, mas as últimas etapas prometem ser as mais desafiantes.
Quem estiver a pensar comprar um carro novo por estes dias e não esteja entre os mais atentos à evolução do mercado automóvel, será surpreendido pelo desaparecimento dos modelos com motores a gasóleo entre os principais fabricantes mundiais. E as surpresas não ficam por aqui. Até 2035 deixará também de se poder comercializar na União Europeia veículos novos com qualquer tipo de motor de combustão, seja gasolina, gasóleo, GPL ou gás natural.
A, tantas vezes anunciada, transição energética no setor automóvel, que durante anos não passava de um chavão sem qualquer concretização prática, tem agora um trajeto bem definido, apesar de todos os efeitos laterais e custos ainda difíceis de apurar. Mas esta será provavelmente a face mais visível da profunda transformação que a indústria automóvel sofrerá nos próximos anos. Menos discutido, mas tão ou mais impactante, será o efeito combinado da conectividade total do automóvel e da inteligência artificial que promete exponenciar a experiência de viajar e guiar-nos à era da condução autónoma.
A conectividade do automóvel, potenciada pelas redes móveis 5G, abrirá um mundo de oportunidades na componente lúdica (desde os filmes e jogos em tempo real em múltiplos écrans à realidade aumentada suportada nos vidros da viatura) e assegurará a sua manutenção em tempo real (monitorização do motor e componentes, atualização de software etc). Será também essencial para a conexão do automóvel a outros veículos, infraestruturas e pessoas bem como para suportar a inteligência artificial, tecnologia central para a condução em modo autónomo.
Muitas das aplicações da inteligência artificial estão ainda em fase experimental, o que levanta receios legítimos quanto à sua fiabilidade, segurança e possibilidade de interferências externas. O enorme interesse que este ramo da ciência computacional tem merecido, incluindo em áreas em que a segurança e o rigor são críticos como é o caso da deteção de fraude, do diagnóstico de doenças, da previsão meteorológica ou da condução de aviões, reforça o potencial da sua aplicação à condução automóvel, embora persistam obviamente riscos.
Embora a maioria dos condutores não tenha essa perceção, boa parte do caminho para a condução autónoma de automóveis já foi percorrido. Considera-se que existem 5 níveis de condução autónoma e a produção de novos veículos das principais marcas está atualmente focada no nível 3 (permite condução autónoma em determinadas circunstâncias, mas exigindo sempre a atenção e intervenção iminente do condutor) e a preparar a entrada do nível 4 na alta gama (condução autónoma que dispensa a atenção permanente do condutor em determinadas circunstâncias e quando estas se alteram volta a exigir a sua supervisão ou intervenção).
Assegurar total autonomia de condução em todas as circunstâncias pelo condutor virtual sem intervenção humana, que corresponde ao 5º e último nível da escala, será certamente uma das grandes corridas do Sec. XXI. Este desafio está a atrair grandes tecnológicas como a Google (a sua irmã Waymo está na liderança já com um serviço comercial de robô-táxi com centenas de veículos autónomos em Phoenix e São Francisco), a Intel, a Apple ou a Amazon, mas também a incontornável Tesla e vários consórcios integrando os maiores fabricantes mundiais de automóveis e grandes empresas de transporte de passageiros e de mercadorias. É difícil prever quem serão os vencedores desta corrida e quando teremos veículos totalmente autónomos a circular em Portugal. Parece seguro dizer que nos próximos anos, será uma realidade em determinados contextos controlados, como a condução na autoestrada, mas a sua generalização a todas as situações exponencia a complexidade e imprevisibilidade e será o grande desafio da inteligência artificial.
Numa entrevista recente, o visionário fundador da Tesla, Elon Musk defendeu que até final de 2022, a inteligência artificial atingirá o ponto-chave em que a probabilidade de se verificar um acidente envolvendo um veículo de condução autónoma será menor do que a verificada com a média dos condutores humanos. Passado esse ponto, será mais fácil ganhar escala que trará consigo uma aceleração exponencial da fiabilidade da condução autónoma, já que os algoritmos de reconhecimento de imagens em tempo real e previsão de comportamento de outros veículos e peões aprendem à medida que são expostos a novas situações. Mas ao contrário dos seres humanos, não aprendem apenas com a sua própria experiência, mas sim com cada Km realizado pelo conjunto de todos os veículos...
De acordo com a Pordata, na década de 2010 a 2019, verificaram-se 327.384 acidentes nas estradas portuguesas dos quais resultaram 420.300 feridos e 5.413 mortos, tendo a esmagadora maioria dos acidentes envolvido erro humano. Poderemos contar com a inteligência artificial para reduzir fortemente estes números trágicos?
Jorge Gouveia, Gestor