As relações sino-americanas: desafios e oportunidades no combate ao branqueamento de capitais

Publicado a
Atualizado a

No início de 2021, período ainda fortemente marcado pela pandemia da COVID-19, a República Popular da China era, sem sombra de dúvida, o elefante na sala da nova administração americana. À época, o dossier “China” esteve mesmo por um período de tempo considerável sob uma “revisão complexa” (palavras da então porta-voz da Casa Branca Jen Psaki). Naquele momento, perante uma opinião pública convincentemente satisfeita com o pulso firme de Trump, Biden teria de decidir se revertia algumas das políticas do seu antecessor – seguindo a linha de rutura com a anterior administração que seguia em quase todas as matérias –, ou se, em relação à China, mantinha a firmeza verificada no anterior mandato, embora que de um modo mais diplomático.

Este dilema, visto por muitos como uma armadilha aparelhada por Trump para a nova administração, acabou resolvido de forma muito pragmática. Para Biden, a China seria um desafio em matéria de segurança e direitos humanos, um concorrente no domínio económico, e um parceiro em desafios globais, como a pandemia, as alterações climáticas ou o apoio aos países menos desenvolvidos.

Volvidos três anos, é raro os Estados Unidos e a China cooperarem. Em todo o caso, nem o clima de tensão entre ambos impediu o Secretário de Estado americano Antony Blinken de viajar até à China esta semana. O objetivo principal seria pressionar Pequim a deixar de enviar materiais relacionados com armamento para as indústrias de defesa russas. Todavia, na impossibilidade, os dois países decidiram reforçar o apoio mútuo num outro domínio: a luta contra o branqueamento de capitais.

Ao contrário do que acontece em Moscovo, esta ameaça crescente tem feito soar os alarmes, tanto em Washington, como em Pequim. Assim, após anos de diálogo interrompido, por considerarem imperativa a cooperação para combaterem eficazmente este fenómeno, foi criado um fórum bilateral. Serão várias as condicionantes que dificultam a resolução do problema, no entanto, destas, destaca-se a rápida evolução de uma cultura secular de banca informal que, aliada à tecnologia atual, permite transações anónimas e dificílimas de rastrear.

Em bom rigor, originalmente, este sistema nada tinha a ver com o crime. Baseado na confiança entre as partes, servia apenas como forma de os comerciantes transferirem dinheiro sem que a moeda fosse, efetivamente, movimentada. Contudo, a questão reside, precisamente, na ausência de uma transação de um ponto A para um ponto B (a quantia trocada entre duas partes num local é compensada por uma transação equivalente noutro local). Então, as consequências saltam à vista.

Para os americanos é, literalmente, uma questão de vida ou de morte. Só em 2023, mais de 110 000 pessoas morreram nos Estados Unidos por overdose de drogas contrabandeadas do México, onde os bancos clandestinos chineses permitem aos cartéis mexicanos branquear os seus rendimentos rapidamente e a baixo custo. Para os chineses é uma questão de “segurança política e financeira do país”. Considerando que, mesmo por meios legítimos, há uma enorme fuga de capital (que serve de pretexto para que quem mora na China continental não possa transferir para o estrangeiro mais de cinquenta mil dólares por ano), os canais oferecidos pelos bancos clandestinos são percebidos como meios de contornar os rigorosos controlos cambiais.

De notar ainda que, como sinaliza a Europol desde 2019, esta é também uma ameaça crescente na Europa – aliás, nem há um par de semanas as autoridades portuguesas e espanholas desmantelaram uma rede criminosa internacional de branqueamento de capitais ligada ao tráfico de droga. Desse modo, embora dependente do Conselho, a aprovação recente no Parlamento Europeu das novas regras da União Europeia que, entre outras medidas, preveem a criação da Autoridade para o Combate ao Branqueamento de Capitais e ao Financiamento do Terrorismo, é um passo seguro na direção certa.

Enfim, não nos equivoquemos. Esta é apenas a ponta do icebergue. De um modo realista, dificilmente se controla um problema tão grande, tão complexo e tão dissimulado como o branqueamento de capitais, sobretudo, sem pessoal qualificado e experiente, como avisou a Secretária do Tesouro americana Janet Yellen numa visita a Pequim no início de abril. Sejamos, então, objetivos: não há pressa (sob pena de ver expectativas frustradas), mas também não há tempo a perder.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt