As missões de paz e os diamantes
Nesta semana, por motivos pouco nobres, as operações de paz das Nações Unidas estiveram em evidência na nossa comunicação social.
Uma missão de paz, aprovada pelo Conselho de Segurança e aceite pelo país de acolhimento, tem uma configuração complexa. Cada missão - existem atualmente 12 - inclui várias componentes, embora a mais conhecida seja a militar. As outras dimensões abrangem as áreas de polícia, do processo político e da reconciliação nacional, dos direitos humanos, do apoio à administração local, às eleições e à justiça. São, em geral, operações gigantescas, chefiadas por um representante especial do secretário-geral da ONU (SRSG é a sigla em inglês), nomeado com a aprovação do Conselho de Segurança e ao nível hierárquico equivalente a secretário-geral adjunto. Hoje, a maior encontra-se na República Democrática do Congo, com mais de 17 mil elementos e um orçamento anual superior a 1,1 mil milhões dólares.
A parte militar é das mais sensíveis, quer pelo elevado número de tropas destacadas no terreno quer pelo facto de a proteção das populações civis ser uma das prioridades. Sempre defendi que o reforço da segurança interna deve ser um dos primeiros objetivos a atingir, de modo a mostrar, sem demoras, resultados tangíveis e a facilitar a aceitação da presença externa.
Os capacetes azuis provêm das mais diversas culturas. Ao contrário dos quadros civis, os militares permanecem no terreno por períodos curtos - em regra, são rotações de seis meses. Essa circunstância e o tipo de funções que exercem não lhes permitem ganhar uma perceção suficiente das condições sociais e culturais das gentes que os recebem. Por isso, sempre determinei que o contacto entre os militares e as populações fosse feito apenas por elementos expressamente designados e preparados para fazer a ligação com as comunidades locais. O resto do contingente não estava autorizado a estabelecer qualquer tipo de contacto individual com a população. Assim se procurava evitar situações de incompreensão, de abuso e de exploração das situações de pobreza. Por outro lado, elementos civis da missão, que trabalhassem ao nível local, tinham também como responsabilidade observar de modo permanente a nossa interação com os residentes em cada canto do país. A boa imagem da missão era um bem precioso, que devia ser protegido a cada momento.
Enquanto SRSG, tive o comando de duas missões de manutenção da paz em países ricos em diamantes, misérias e violência.
Uma dessas missões foi na Serra Leoa. Em certos distritos, a principal atividade consistia na prospeção artesanal de diamantes. Era uma economia de subsistência, com milhares de jovens a escavar buracos no mato ou a peneirar as areias dos rios, a maior parte do tempo sem resultado. À volta deles circulavam enxames de intermediários, que procediam à compra das pedras, quando as havia. Tratavam, então, do seu encaminhamento para Freetown, onde comerciantes especializados, libaneses na sua maioria, obtinham a documentação oficial que permitisse a sua exportação, dentro da legalidade estabelecida pelo processo de Kimberley.
Este processo, que foi lançado pelas Nações Unidas em 2003, precisamente por causa dos diamantes de sangue da Serra Leoa, certifica a origem e o percurso de cada pedra. Trava as origens duvidosas, muitas delas ligadas à violência dos grupos armados. A quase totalidade dos diamantes que aparecem hoje no mercado tem uma certificação Kimberley. Na União Europeia, por exemplo, é praticamente impossível introduzir um diamante que não tenha esse tipo de aval. O mesmo acontece nas principais praças mundiais.
Mais tarde dirigi uma missão na República Centro-Africana, que incluía o patrulhamento da fronteira com o Sudão. Nessa região, as lojas de compras de pedras preciosas e de ouro eram tão numerosas quanto as mercearias. Destaquei para região forças especiais vindas do Togo. Tiveram um comportamento exemplar. Na preparação para o destacamento fora-lhes explicado que a imagem do seu país estava em jogo. Assim o entenderam. Uma pedrinha pode ter um impacto político enorme.
Conselheiro em segurança internacional. Ex-secretário-geral adjunto da ONU