As mamadeiras de Musk

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Quando a campanha de Jair Bolsonaro em 2018 espalhou, via Twitter, que o rival Fernando Haddad, se eleito, determinaria que todos os biberões fossem em formato de pénis para combater a homofobia, o Supremo Tribunal Federal (STF) não se moveu por ver no caso da “mamadeira de piroca”, como ficou célebre no sempre colorido calão local, apenas mais um exemplo tosco, mas nos limites da luta partidária, do então relativamente recente fenómeno das fake news.

Mas quando, no mesmo Twitter, na eleição seguinte, generais bolsonaristas ameaçaram com um golpe de Estado no caso de vitória de Lula da Silva; terroristas inconformados com a derrota tramaram um ataque à bomba, felizmente falhado, contra o Aeroporto de Brasília que mataria centenas de inocentes para justificar o Estado de Sítio e, assim, impedir a posse do presidente eleito; influenciadores de extrema-direita combinaram atos de depredação, como o do ataque, filmado ao vivo e a cores, de 8 de janeiro de 2023 à Praça dos Três Poderes; e parlamentares tresloucados sugeriram o fecho das instituições, o STF sentiu que, “em nome da democracia”, era hora de agir.

À frente dos inquéritos das fake news, das milícias digitais e dos atos de 8 de janeiro ficou o juiz Alexandre de Moraes, que mandou logo prender os golpistas que achou necessário e abriu depois caça a perfis do Twitter, agora já X, supostamente envolvidos naqueles crimes.

Entre os quais o de Marcos do Val, senador que revelou, no X, ter combinado com Bolsonaro, em pleno gabinete presidencial, gravar Moraes para o apanhar numa eventual conversa comprometedora que levasse ao seu impeachment e abortasse a posse de Lula.

Eis que, em defesa do senador Val, entra no rinque Elon Musk, o multimilionário dono do X, com a camisa da “liberdade de expressão” no corpo, aplaudido por Bolsonaro, para combater, no outro canto, Moraes, vestido com o uniforme da “defesa da democracia” e apoiado por Lula.

Para fechar o X no país, o juiz argumenta que “as redes sociais não são terra sem lei” e que “os provedores de redes sociais devem absoluto respeito à Constituição Federal, à lei e à jurisdição brasileiras”. O magnata chama o rival de “ditador maligno”, “ditador brutal” e “censor”.

A discussão seria interessante se Musk estivesse habilitado para a ter. Afinal, o empresário produz carros da Tesla na mesma China que proíbe o X e concordou em derrubar perfis da rede social de personalidades da oposição a Recep Tayyip Erdogan na Turquia.

Mais: acatou o pedido de Narendra Modi, primeiro-ministro da Índia, para bloquear contas do X de agricultores insatisfeitos com o Governo e para remover hashtags de grupos separatistas da etnia sikh.

“Parabéns Narendra Modi pela vitória nas eleições da maior democracia do mundo, estou ansioso para ver as minhas empresas fazerem um trabalho emocionante na Índia”, disse o próprio Musk, no X, logo após a vitória eleitoral de Modi e apenas meses depois do bloqueio que humildemente acatou.

Ao proibir o X no Brasil, o juiz Moraes pode, sim, em nome da “defesa da democracia”, estar a abusar do seu poder e a prejudicar, acima de tudo, os 21,4 milhões de utilizadores brasileiros da plataforma, mas Musk erguer-se como o cavaleiro protetor da “liberdade de expressão” soa tão verdadeiro como as mamadeiras de piroca de Haddad.

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