As empresas evitam a bolsa

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A valorização das bolsas mostra que o mercado continua a demonstrar apetite por ações, mas esse interesse parece ser mais forte entre os investidores do que entre as empresas, que cada vez mais optam por permanecerem privadas.

Em 2024, o mercado global de IPO - Initial Public Offer ou operações de colocação de ações em bolsa - apresentou tendências divergentes. Houve crescimento nos Estados Unidos e na Europa, mas uma contração global devido a um declínio acentuado na China. Mesmo nos mercados onde os IPO aumentaram, muitas empresas continuaram a preferir financiamento por Capital de Risco (VC - Venture Capital) e Private Equity (PE).

Nos EUA, o número de IPO subiu para 183 (127 em 2023), arrecadando US$ 32,7. No entanto, globalmente, o número de IPO caiu 10% e os valores arrecadados diminuíram 4%, totalizando US$ 121,2 mil milhões. O recuo justifica-se principalmente pela China, onde os IPO domésticos tiveram uma queda de 73% no número de listagens e de 85% nos valores captados nos primeiros três trimestres do ano. Por comparação, estima-se que o valor total de negócios de Private Equity e Capital de Risco tenha aumentado 25% em 2024 face a 2023, atingindo US$ 639,02 mil milhões. Os dados são da EY e da S&P Global.

A preferência por VC e PE reflete fatores estruturais. As empresas têm acesso a um volume recorde de capital privado - estima-se que os fundos de Private Equity tenham cerca de US$ 2 biliões em capital disponível em 2025. Além disso, as avaliações no mercado privado superam frequentemente as das colocações públicas. Outro motivo é a flexibilidade operacional; permanecer privado permite evitar exigências regulatórias e escrutínio dos mercados públicos.

A migração de empresas do mercado londrino para os EUA complementa estas dinâmicas. Em 2024, a Bolsa de Londres enfrentou o maior êxodo desde a crise de 2008, com 88 empresas a saírem para outras praças. As empresas citaram a liquidez reduzida e as avaliações mais baixas como razões para migrar para o mercado dos EUA.

Em Portugal, o mercado de IPO permanece estagnado. Nos últimos anos, não houve colocações significativas devido à baixa liquidez e às avaliações pouco atrativas. Além disso, a cultura corporativa portuguesa historicamente favorece financiamento bancário ou privado em vez de abrir capital. Apesar dos esforços da Euronext Lisboa, o mercado doméstico tem encolhido progressivamente.

Esses fatores refletem uma mudança estrutural nas preferências das empresas por financiamento privado em detrimento dos mercados públicos. Embora os IPOs continuem a ser uma ferramenta importante para levantar e disseminar capital, o apelo crescente do VC e PE demonstra como as empresas estão a dar prioridade à flexibilidade estratégica e às melhores condições financeiras.

Economista conselheiro

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