As crianças andam a ver pornografia?
Sei que esta é uma pergunta difícil de se ouvir, mas receio que a resposta o seja ainda mais. Sim, muitas crianças têm acesso a conteúdos pornográficos e muitas outras são ainda aliciadas para produzir esses mesmos conteúdos. Tudo isto na pacatez do seu quarto, sem que os pais sequer imaginem esta realidade.
Antigamente, no chamado “nosso tempo”, a pornografia era uma realidade acessível aos mais novos apenas através das páginas que se espreitavam às escondidas nas revistas do quiosque da esquina, ou bem guardadas debaixo do colchão do irmão mais velho. Hoje, a pornografia está à distância de um clique e, quando o telemóvel não lhe permite aceder devido ao controlo parental, existe sempre o telemóvel de um amigo ou de um colega que escapou a essa ferramenta.
A curiosidade sexual começa ainda na fase da pré-adolescência, aumentando gradualmente à medida que se cresce. Com esta curiosidade, surge a necessidade em obter mais informação – que, muitas vezes, se traduz em verdadeira desinformação, a partir do momento em que é veiculada apenas através do grupo de pares e do mundo digital.
Importa enfrentar esta realidade e não fazer de conta que ela não existe. Crianças de 8 e 9 anos de idade têm acesso a pornografia e muitas são também vítimas de engano, coação e extorsão, levando-as a fotografarem-se e a filmarem-se, partilhando depois esses ficheiros. De acordo com a Internet Watch Foundation, 2022 foi o primeiro ano em que as imagens sexuais autogeradas por crianças dos 7 aos 10 anos de idade foram mais prevalentes do que as imagens não autogeradas. Em 2023, a percentagem de imagens autogeradas por crianças desta faixa etária aumentou 65%.
Não existe uma receita simples para lidar com esta situação, na medida em que é necessário uma abordagem holística – não apenas legislação adequada e mecanismos de controlo mais severos, mas também prevenção e intervenção a nível comunitário, pensando nos vários contextos onde as crianças estão inseridas – com especial destaque para a família e a escola.
Concretamente, a família deve tentar criar – desde cedo, e não apenas na adolescência – canais de comunicação abertos que permitam à criança conversar sobre todos os assuntos, sem medo e sem vergonha. Apenas num espaço seguro e contentor a criança conseguirá expor as suas dúvidas e preocupações, e ser ajudada a questionar tudo aquilo que vê. Com calma e sem juízos de valor.
Em paralelo, os pais pedirem ajuda especializada para que estas situações sejam devidamente sinalizadas.