As comissões não enganam ninguém

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Quando, há mais de dois anos, alertei publicamente que os lucros da banca não estavam a traduzir-se numa melhoria das condições para os clientes, ouvi de tudo. Acusaram-me de exagero, de querer atacar um setor que finalmente recuperava da crise, até de populismo. Mas o tempo passou e os dados continuam a confirmar exatamente aquilo que denunciei: os lucros da banca portuguesa têm sido construídos sobre uma base cada vez mais pesada para os clientes. Agora, os números são claros. E não são meus.

Segundo uma peça recente da SIC e dados da DECO, metade dos lucros recorde obtidos pela banca em 2024 resultam diretamente de comissões pagas pelos clientes. Metade. Não foram os juros, nem a intermediação financeira, nem a inovação – que até anteriormente sugeri -, foram as comissões: aquelas que se cobram pela manutenção de conta, pelas transferências ou até pela simples existência de uma conta bancária. E, em vez de diminuírem, estas comissões aumentaram e alargaram-se. Os estudos mostram um comportamento que, para usar um eufemismo, é no mínimo engenhoso: os aumentos não são diretos, acontecem pela eliminação progressiva de isenções que, até aqui, protegiam milhares de portugueses.

Isto é confirmado pela própria DECO Proteste, como Nuno Rico explicou: “as comissões não baixaram. É certo que não têm havido muitos aumentos, mas o que tem acontecido é a redução sucessiva de isenções, ou seja, a banca está a alargar a base de cobrança”. É uma forma de aumentar receitas sem mexer nos preços unitários. Mas o efeito, para os clientes, é o mesmo: mais custos.

Até o próprio governador do Banco de Portugal, Mário Centeno, já não consegue ignorar o problema. Em fevereiro de 2023, afirmou de forma inequívoca que estavam reunidas as condições para uma descida das comissões bancárias. Nada aconteceu. Mais recentemente, a 12 de março deste ano, reforçou o alerta: “É importante que a banca reflita sobre o rendimento que dá às poupanças dos portugueses”. Acrescentou ainda, referindo-se aos depósitos a prazo, que “as taxas de juro nos depósitos estão acima do normal” e que é tempo de os bancos “refletirem esse contexto nos produtos que oferecem”. Os bancos portugueses são dos que continuam a remunerar menos os seus depósitos, comparados com as restantes instituições europeias.

Ao falarmos de comissões, é importante recordar que muitas destas comissões foram criadas ou agravadas quando as taxas de juro do Banco Central estavam em níveis historicamente baixos ou até negativos. Justificava-se, na altura, a necessidade de

procurar outras fontes de receita. Mas hoje, com as taxas a subir há mais de dois anos, essa prerrogativa perdeu validade.

Mais grave, na última semana, o Governador do Banco de Portugal afirmou que o Banco de Portugal ao analisar anualmente todos juros que os bancos cobram, identificaram vários milhões de euros em erros de juros cobrados. Mais receita para os bancos, sempre o mesmo prejudicado. Os clientes.

Naturalmente que sabemos da importância para a estabilidade do setor financeiro que os bancos tenham lucros. Não há qualquer problema nisso, sobretudo tendo em conta os prejuízos acumulados nas crises anteriores. O que não podemos aceitar é que, num período em que os portugueses enfrentaram mais uma crise - desta vez marcada pela inflação e pela subida abrupta das taxas de juro -, a banca não tenha dado qualquer sinal de proximidade ou solidariedade para com os seus clientes. Pelo contrário.

Centeno sabe - e todos sabemos - que não há justificação económica que sustente lucros recorde por parte dos bancos ao mesmo tempo que se asfixiam financeiramente os pequenos aforradores e as famílias. A banca não pode continuar de costas voltadas para a economia real e para os portugueses. Não pode continuar a tratar os clientes como uma fonte inesgotável de rendimento fácil.

A questão é simples: uma banca saudável não pode crescer à custa da fragilidade dos outros. Porque uma economia saudável precisa, sim, de um setor financeiro forte — mas também justo. Um setor que seja parte da solução, e não parte do problema.

Está, por isso, na altura de recolocar o tema dos lucros da banca e das comissões bancárias no centro do debate público. Já não chega dizer que os lucros são legais. É preciso perguntar se são legítimos. Sim, não podemos esquecer a Responsabilidade Social dos bancos. Porque uma coisa é certa: as comissões não enganam ninguém. E quem, há mais de dois anos, alertou para isto, hoje não precisa de dizer mais nada. Os números falam por si.

Há mais de dois anos comecei esta luta quase sozinho. Hoje, sinto que não estou apenas acompanhado pelo regulador, por vozes de diferentes partidos ou por figuras da sociedade civil. Estou, acima de tudo, ao lado de quem realmente importa: os portugueses

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