Esta semana tivemos um sururu sobre o que o Ministério da Educação pôs em discussão pública, até à próxima sexta-feira (que prazo tão curto!), sobre as aulas de Cidadania. O primeiro-ministro, Luís Montenegro, tinha prometido “tirar a ideologia” dessas aulas e, atrás dessa meta impossível de alcançar (afinal, onde há, neste mundo, um Estado sem ideologia e um Estado que não impinja essa ideologia aos seus cidadãos?...), começou-se a discutir acaloradamente o alegado fim do tema da “sexualidade” no ensino.Toda esta discussão está envenenada por preconceitos e, por isso, deveria elaborar-se este currículo seguindo um único critério: espelhar e detalhar o que a Constituição da República Portuguesa define como direitos e deveres dos cidadãos, pois esse documento dirimiu, ao longo de décadas, esses preconceitos e produziu uma síntese aprovada, sucessivamente, em várias legislaturas, por mais de dois terços dos deputados eleitos pelo povo - é o mais próximo do consensual que podemos ter.Fui então comparar o que diz a Constituição com o que dizem os dois documentos do Ministério da Educação: a Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania e as Aprendizagens Essenciais.A Constituição estabelece o quadro jurídico e os direitos fundamentais relativos à não discriminação baseada no sexo e na orientação sexual, bem como à promoção da igualdade de género.Nos documentos sobre as aulas de Cidadania, traduzem-se esses princípios, ensinam-se os artigos da Lei Fundamental que tratam do tema, mas expande-se a terminologia para incluir conceitos como “identidade e expressão de género” e alerta-se contra a exploração, o abuso sexual e a ciberviolência. Não me parece tragicamente mal...O problema surge noutras comparações, noutras questões de cidadania onde, afinal, a questão ideológica vem ao de cima, com enorme descaramento. Isso começa, logo, pelas questões económicas.A Constituição aborda extensivamente os direitos dos trabalhadores, como a segurança no emprego, as comissões de trabalhadores, a liberdade sindical, o direito à greve e a proibição do lock-out, bem como os direitos dos consumidores.Nas novas aulas de Cidadania, nada disto é ensinado aos alunos. Vai aprender-se Literacia Financeira e Empreendedorismo, foca-se a poupança, ensina-se a fazer um orçamento e a praticar “empreendedorismo ético” (seja lá o que isso for...). Nas Aprendizagens Essenciais não se abordam explicitamente a não discriminação e a igualdade na economia e no trabalho, nem os detalhes dos direitos laborais.A Constituição define o sistema financeiro e o papel do Banco de Portugal, assim como o sistema fiscal, com os seus princípios e objetivos de repartição justa dos rendimentos e da riqueza, refletidos na elaboração e fiscalização do Orçamento do Estado.Nas aulas de Literacia Financeira, o currículo concentra-se na tomada de decisões financeiras pessoais e empresariais, mas não no funcionamento ou nos princípios constitucionais do sistema financeiro ou fiscal do Estado.Há muitas - mesmo muitas - outras omissões e insuficiências graves neste ensino da cidadania. Infelizmente, não tenho espaço para as explicar...Para já, percebi uma coisa: as aulas de Cidadania pretendem, acima de tudo, formar serviçais dos interesses económicos. Não procuram formar cidadãos verdadeiramente educados. É lamentável, é ideológico e é perigoso.Jornalista