Argélia: legislativas antecipadas e vazias
A Argélia não está bem e estas legislativas, de amanhã, não trarão a solução, podendo aliás agravar ainda mais o problema. Desde o surgimento do Hirak-Movimento, que se insurgiu contra um mais que certo quinto mandato do ex-presidente (PR) Bouteflika, caso tivesse levado a sua avante em 2019, que a situação política interna se complicou. A momentânea vitória do Hirak e dos argelinos em geral, ao impedir tal vontade de um perpétuo democrático, criando a ilusão da mudança geracional, não evitou o inevitável momento de transição que, por muito optimista que seja, é sempre momento de tensão entre a resistência dos que saem e o pulso dos que entram. E o momento ainda é esse, de tal forma, que foi o que motivou a demissão do primeiro-ministro em janeiro e a convocação destas eleições.
O novo PR Tebboune, dados os seus 75 anos e o enraizamento político e pessoal de uma vida enquanto quadro do Front de Libération National (FLN), quatro vezes ministro de governos do ex-PR Bouteflika, também não representou a mudança geracional, mas antes a reforma de altas patentes militares, que insistem em não querer perder a voz de comando, enquanto percebiam que o Hirak não se ficaria pelo objectivo entretanto atingido. Em virtude deste, ganharam momento, contestaram o novo escolhido do FLN para as presidenciais de 2020 (Tebboune), enquanto viam cada vez mais netos, bisnetos, pais e avós encherem as ruas a cada sexta-feira. Perceberam que tinham um país atrás de si e que a cobardia lhes ficaria colada à pele se desistissem e continuaram, apesar das mais de duas centenas de detidos, das ameaças e perseguições.
Curiosamente, foi esta a âncora de Tebboune aquando do discurso da ruptura, quando em janeiro regressou da Alemanha recuperado da covid. Deu a entender, por meias palavras, o complô que a velha guarda preparara na sua ausência desde novembro e cantou hossanas ao Hirak, enquanto a melhor bênção que a Argélia poderia ter tido, apontando-os mesmo como salvadores da pátria. Ou seja, deu sinais sobre a necessária mudança geracional, mas não foi totalmente consequente, já que a sua aposta de legitimação enquanto PR assentou no referendo à nova Constituição, do 1.º de Novembro último, cuja abstenção foi superior a 75%.
Como resultado de tudo isto, o actual PR fez estalar o verniz da forma mais pública possível entre si e o seu partido de sempre, o que teve um efeito dominó em todos os outros principais partidos da oposição. Como? Abrindo o precedente da publicidade do confronto interno entre estes, fazendo das sempre existentes alas internas de contestação em qualquer partido, cujas posições não devem/podem transpirar para fora das sedes partidárias. Ou seja, teve o efeito de expor publicamente crises internas, que tiveram como efeito a atomização dos principais partidos políticos argelinos, enfraquecendo ainda mais a democracia do hexágono. Em consequência disto, há agora uma vaga de apelo à abstenção no processo eleitoral de amanhã, ancorada no grande vencedor do referendo de novembro, os abstencionistas, mas agora transferido para o seio partidário, principais promotores desta "solução de regime".
Quem será o grande vencedor deste vazio de vontades? Os não democráticos islamistas que, como hienas, ficam com os restos e ainda se riem no fim!
Politólogo/arabista. www.maghreb-machrek.pt.
Escreve de acordo com a antiga ortografia