Aprovar quando seguro ou quando é popular?
O mês de maio ficará marcado, espera-se, pela discussão dos resultados de um estudo pedido pelo Conselho da UE que, basicamente, demonstra o erro de considerar a edição de genes como uma técnica inserida na legislação aplicável aos OGM. Vários Estados membros, entre os quais Portugal, solicitaram uma avaliação científica desta decisão tomada em 2018 pelo Tribunal Europeu de Justiça e aguardavam, com expectativa, orientações claras sobre uma matéria que poderá permitir aos países desenvolvidos e em vias de desenvolvimento, uma ferramenta que diminui a necessidade de utilização de pesticidas e a possibilidade de cumprirem as metas das várias estratégias ambientais em curso, tal como a pequenos agricultores, em qualquer parte do mundo, a possibilidade de ganharem o seu sustento.
Enquanto não se conhecem as decisões políticas acerca deste dossiê perguntamo-nos: será a agricultura a única área na qual a evolução científica não pode entrar? Fará isto sentido quando, simultaneamente, se defende a carne sintética e outros sucedâneos bem menos estudados do que as novas técnicas genómicas (NTG) no melhoramento de plantas?
A ciência e a aposta na investigação e na inovação foram os aspetos que mais marcaram o ano de 2020 e marcarão certamente os próximos. Os decisores políticos passaram a ouvir a ciência e integram-na nas suas decisões. Como podemos, então, acreditar na ciência para umas situações e não acreditar nessa mesma ciência para outras?
Na agricultura, as NTG protegem as culturas contras vírus, fornecendo trechos de ARN que bloqueiam a síntese de proteínas que são essenciais à multiplicação viral. É esta tecnologia do ARN/ADN recombinante que permite produzir variedades cultivadas que são atualmente utilizadas em quase 15% da área arável do planeta, mas não na UE.
O receio pode advir, admite-se, do facto de a biotecnologia agrícola ter surgido num período de crises alimentares (BSE, dioxinas), e certamente devido a uma política de comunicação errática, que permitiu que este dossiê assumisse um vínculo mais ideológico do que científico, mas a alimentação, tal como a ciência, não deve ter ideologia. Apesar disso, a perceção é o que tem contado para os decisores políticos que têm, não raras vezes sem coragem, contribuído para calar a ciência e dar voz a tribos vinculadas a teorias da conspiração, as mesmas que defendem que as vacinas provocam autismo.
Os impedimentos à produção e à utilização de plantas geneticamente melhoradas impossibilita a alimentação de animais produtores de géneros alimentícios com a soja ou o milho que, nos principais fornecedores da UE, são maioritariamente geneticamente modificados. O contrassenso é que estas mesmas plantas são aprovadas pelas autoridades científicas, com parecer favorável da Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (EFSA) e, assim sendo, para evitar disrupções no abastecimento da cadeia alimentar, e, sobretudo porque são seguras, a Comissão Europeia autorizou recentemente a importação de oito produções OGM. A nível mundial, segundo o último relatório International Service for the Acquisition of Agri-biotech Applications - ISAAA.org, a biotecnologia na produção agrícola chega já a 26 países, em 11 culturas diferentes, beneficiando mais de 20% da população mundial.
Estará o populismo a impedir precisamente aquilo que advoga? Uma sociedade mais justa e mais ecológica e que lute contra a ignorância, pela decisão com base científica? Penso que sim! Devemos estar no lado certo, o da coragem, da ciência, e não continuar a alimentar a hipocrisia do costume.
Engenheiro agrónomo e secretário-geral da IACA, coordenador da task force CAP da FEFAC, representante da FIPA no Comité de Acompanhamento da PAC