App GIRA open source: por uma Lisboa feita de inteligência coletiva

Hoje, Dia Mundial da Bicicleta, e poucas semanas após o Dia Mundial da Criatividade e Inovação, é tempo de fazer de Lisboa uma cidade construída com conhecimento e em comunidade.
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A cidade de Lisboa tem feito progressos na afirmação da mobilidade ciclável, embora a um ritmo insuficiente face à emergência climática e, particularmente, ao contributo que este tipo de mobilidade pode dar para o cumprimento das metas de descarbonização e despoluição do ar da cidade. 

Contudo, é incontornável que a bicicleta assumiu, na última década, um papel central na transformação urbana de Lisboa. Símbolo e veículo para uma mobilidade mais sustentável e inclusiva, a GIRA — sistema de bicicletas partilhadas — tem sido estratégica na descarbonização da cidade.

Desde 2017, esta rede, pública, tornou possível a transição modal, oferecendo uma alternativa real ao automóvel e complementando os outros tipos de transporte público, em percursos curtos. Com efeito, entre 2021 e 2024, o número de viagens na GIRA duplicou, passando de 1,4 para 2,9 milhões por ano, revelando clara adesão da população.

No entanto, esta procura tem encontrado resistência no mau funcionamento da aplicação (“app”) que a EMEL – empresa de mobilidade e estacionamento de Lisboa – disponibilizou para mediar o acesso à rede: falhas constantes, dados desatualizados e docas inativas tornaram-se entraves diários.  

Este desfasamento entre a infraestrutura física e o seu suporte digital denuncia um erro estratégico grave. A cidade construiu um sistema desejado, mas não garantiu o seu funcionamento básico. O resultado é uma frustração crescente por parte dos utilizadores e uma quebra de confiança num serviço que deveria ser um pilar da mobilidade urbana sustentável de Lisboa.  

Cansados dos erros persistentes da app oficial e da inação do executivo, três jovens programadores – o Afonso, o Tiago e o Rodrigo– criaram alternativas em comunidade: a mGIRA e a GIRA+, que são aplicações de código aberto, intuitivas, estáveis e com novas funcionalidades.

Apesar das falhas constantes da app oficial, a EMEL e o executivo da Câmara Municipal de Lisboa têm optado por bloquear as aplicações criadas pela comunidade, fechando-se à inovação e à colaboração.  Este bloqueio tornou-se particularmente visível em novembro de 2024, quando o acesso à API foi bloqueado — um bloqueio que, apesar de tudo, a comunidade conseguiu contornar.  

A EMEL justificou os bloqueios com razões de segurança, explicação rejeitada pela ANSOL, a Associação Nacional para o Software Livre, que considera que o objetivo foi apenas o de impedir a análise dos dados e a utilização do serviço de forma livre e transparente. Infelizmente, no final de abril, uma nova atualização voltou a bloquear o funcionamento destas apps... 

Num tempo em que a inovação tecnológica deve caminhar de mãos dadas com o interesse público e a ciência cidadã, abrir o código-fonte da app seria o passo natural para uma cidade moderna, eficiente e transparente. Tornar o código-fonte aberto — uma prática já recomendada pela Estratégia Digital da União Europeia — ou seja, permitir a qualquer pessoa, empresa ou entidade, contribuir para melhorar, auditar ou adaptar a aplicação, promovendo a inovação, a segurança e a eficiência da rede. 

É importante destacar a forma como a cultura do código aberto – do open source – permite estudar, partilhar e melhorar software, de forma contínua e eficiente, nas sociedades modernas. Na administração pública, por exemplo, a promoção responsável desta cultura evita dependências, reduz custos e promove colaboração.

Aplica-se, desta forma, o princípio “Dinheiro Público, Código Público: o que é financiado por todos, deve ser acessível a todos!”. Com efeito, a abertura do código à cidade permitiria também envolver mais diretamente a população: a EMEL poderia criar mecanismos de incentivo, como prémios financeiros ou bolsas de inovação, atribuídos a quem desenvolvesse funcionalidades úteis ou resolvesse problemas identificados pelos utilizadores.  

Uma cidade que investe em open source e na sua comunidade não está apenas a promover transparência — está a cultivar inovação e inteligência coletiva.  

Ao contrário do que muitas vezes se pensa, o software open source não só não representa um risco acrescido de cibersegurança como pode aumentá-la. É esta a opinião da Comissão Europeia, conforme se pode ler na Estratégia de Software Open source 2020–2023. 

Hoje, Lisboa tem a oportunidade de liderar na inovação pública. Ao dar este passo, outras cidades com sistemas semelhantes poderiam reutilizar o código, promovendo colaboração e coesão territorial.

Um código comum permitiria promover também a interoperabilidade entre municípios da Área Metropolitana de Lisboa, garantindo continuidade da mobilidade para além das fronteiras administrativas. 

É neste contexto que não podemos deixar de olhar com espanto para a intenção do executivo da Câmara Municipal de Lisboa de promover Lisboa como “capital europeia da inovação”. Que inovação? Onde? O sector público não acompanha o discurso. Ser capital da inovação não é apenas atrair startups, é também dar o exemplo: criar soluções públicas e abertas.

Por estas razões, o LIVRE defende esta nova visão que integrará no seu Programa Eleitoral para as Eleições Autárquicas: o lançamento de uma app oficial da GIRA, open source e comunitária, garantindo transparência e participação. Porque o que o LIVRE quer para Lisboa é claro: mais inovação, mais comunidade e mais inteligência coletiva.

*Biólogo e vereador do Livre em substituição na CML

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