Aos últimos, o mercado apaga a luz
Num mundo em que tudo é negócio e funciona ao ritmo do lucro, os interesses dos povos são os últimos a ser considerados.
O sector energético, hoje privatizado e transformado em mercado liberalizado, é mais um exemplo flagrante do ponto a que nos leva essa gula liberal quando tratamos de sectores estratégicos.
Problemas técnicos como aquele que terá estado na origem do apagão de 28 de Abril podem acontecer independentemente da forma como o sector eléctrico se organiza e funciona. Mas a sua dimensão e consequências não são as mesmas em quaisquer circunstâncias.
Se o sector eléctrico está hoje mais frágil ou vulnerável e a sua operação é feita com menor segurança em resultado das opções de privatização e liberalização do sector, então, a dimensão e as consequências de problemas técnicos como aquele podem ser mais graves.
Fazer de conta que a privatização do sector energético e a sua transformação num negócio não têm nada a ver com o que se passou é atirar areia para os olhos. Propor medidas de ainda maior liberalização do sector e de favorecimento dos grupos económicos no seu negócio de venda de energia é contribuir para que aqueles problemas se repitam no futuro e até com consequências ainda mais graves.
Quando se privatizou o sector energético e se transformou o fornecimento de energia eléctrica num negócio muita coisa mudou.
O sector eléctrico deixou de ter como critério o fornecimento de um bem ou serviço essencial e passou a estruturar-se e a funcionar de forma a permitir a obtenção de lucros.
O Sistema Eléctrico Nacional foi cortado em fatias pelos governos PS e PSD/CDS, separando-se a rede, a produção e a distribuição energéticas para que pudessem entrar em campo os diferentes “negociantes” de energia.
Depois privatizou-se a empresa REN - Rede Eléctrica Nacional (que anteriormente estava dentro da EDP) e privatizou-se também a própria EDP.
As preocupações com o Sistema Eléctrico Nacional, a sua coerência, o seu planeamento, a programação do investimento de que necessita, a sua eficácia e até a segurança da operação passaram a estar num prato de uma balança que tem no outro prato o máximo esmagamento dos custos para a máxima obtenção de lucros.
Tudo isso avançou com o patrocínio da União Europeia à liberalização do sector, tal como a criação de um mercado grossista único na Península Ibérica.
Na formação dos preços alterou-se a ponderação de referências e critérios como a garantia de acesso universal à energia eléctrica ou a repartição solidária dos custos de produção e distribuição entre diferentes regiões, tipos de consumidores ou consumos. Determinante passou a ser a fixação de preços em condições que garantam a obtenção de lucros e dividendos aos accionistas privados dos grupos económicos do sector energético.
A palavra de ordem liberal do mercado da electricidade é simples: toda a prioridade à entrada de energia eléctrica que for produzida ao custo mais baixo em cada momento. Não para baixar os preços aos consumidores mas para esmagar custos e aumentar lucros.
Isso põe em risco a segurança do aprovisionamento energético e da segurança do abastecimento, podendo gerar riscos de interrupção de fornecimento? Pouco importa. A maximização do lucro compensa e o risco fica todo por conta dos consumidores.
Os consumidores são os últimos a ser considerados nesta roleta do mercado. E aos últimos o mercado apaga a luz...
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