Antecipar o futuro é saber gerir o presente
Vivemos num tempo em que os acontecimentos se sucedem a uma velocidade vertiginosa. A tecnologia transforma o nosso dia a dia, o clima impõe novas urgências, a geopolítica desenha cenários imprevisíveis e basta um apagão ou uma eleição do outro lado do Atlântico para pôr em causa certezas que tínhamos como adquiridas. Neste cenário, a capacidade de antecipar desafios deixa de ser uma qualidade (rara) e passa a ser uma ferramenta essencial.
De fato, muitos dos problemas que enfrentamos – como as alterações climáticas, os desafios da inteligência artificial, a pressão sobre os serviços públicos ou o envelhecimento da população – são há muito conhecidos. A questão não reside na falta de avisos ou sinais, mas sim na nossa dificuldade em escutá-los, em saber o que fazer com eles e em agir a tempo. E as respostas tardias acarretam sempre custos económicos, sociais e humanos.
É verdade que a pressão do que temos que fazer agora deixa pouco tempo para o que teremos que fazer depois, mas as cidades que souberem investir na resiliência hoje estarão mais preparadas para fenómenos ambientais extremos futuros e as lideranças que promovem a antecipação estratégica, com equipas dedicadas à análise de tendências e cenários, adaptaram-se melhor às exigências da gestão dos desafios.
Para isso, torna-se necessário o desenvolvimento de uma nova ferramenta: a literacia do futuro. Essa competência, que deveria integrar a formação de todas as organizações e cidadãos, auxilia na compreensão da complexidade do mundo atual e na tomada de decisões mais conscientes, responsáveis e sustentáveis.
Antecipar não significa prever com exatidão. Trata-se de construir hipóteses, testar ideias, ouvir diferentes perspectivas e preparar respostas. É cultivar o pensamento de longo prazo, com base em dados, imaginação responsável e colaboração interdisciplinar, visto que os desafios do século XXI transcendem as fronteiras entre setores, áreas do conhecimento e geografias. As respostas para a crise climática, por exemplo, exigem a colaboração de cientistas, engenheiros, economistas, urbanistas, juristas e educadores. O mesmo se aplica à transformação digital, à saúde pública ou à coesão social. Pensar o futuro de forma integrada, com contribuições diversas, é um imperativo contemporâneo.
Portugal enfrenta desafios específicos que exigem essa capacidade de antecipação. O envelhecimento acelerado da população e a baixa natalidade exercem pressão sobre o sistema de saúde, a segurança social e o mercado de trabalho. A vulnerabilidade a fenómenos climáticos extremos, como secas prolongadas ou incêndios florestais, exige uma gestão mais integrada do território. A crescente desigualdade territorial, com a desertificação do interior e a sobrecarga das áreas metropolitanas, impõe a necessidade de modelos de desenvolvimento mais coesos e sustentáveis. Esses problemas não são novos, mas requerem novas respostas, mais ágeis e com atenção ao presente e ao futuro.
Antecipar desafios é uma forma de proteger o amanhã. Não como um exercício de adivinhação, mas como um compromisso com as gerações atuais e futuras. O futuro não acontece repentinamente, mas é construído diariamente pelas escolhas que fazemos com base no conhecimento e na capacidade de interpretar os sinais, numa responsabilidade coletiva fundamentada na ética e na solidariedade entre gerações.
Professor Convidado, IEP/UCP e NSL/UNL