Andamos a cavar o nosso próprio buraco
João Pimenta da Silva teve um sonho. A meio da noite, achou ter tido uma revelação. Sonhou que tinha ouro na cozinha. Estava debaixo do chão, mesmo ao lado do fogão, a fortuna que lhe mudaria a vida. Acordou animado. Só era preciso escavar. E foi isso que fez. Não olhou a meios. Comprou máquinas, ferramentas, contratou um vizinho para o ajudar. Tudo por conta do metal precioso que sabia que ia encontrar. João escavou de dia e de noite, durante mais de um ano. E, quando a chuva veio e o buraco começou a alagar, acionou uma bomba e pediu ajuda a um amigo. Num elevador improvisado, João desceu a meio do buraco, que já tinha então 40 metros de profundidade.
Escorregou e caiu, sem ouro, nem glória.
A história do homem de 71 anos que morreu em busca de um tesouro sonhado foi contada pelos jornais brasileiros. João parece uma personagem inventada, mas não é. Era um homem de carne e osso, e sonho, que vivia em Minas Gerais, no Brasil, e que vendeu tudo o que tinha para seguir as orientações de um espírito que lhe segredou, em sonhos, o lugar onde estaria a sua fortuna.
O ouro nunca apareceu, mas o buraco tem a profundidade equivalente à altura de um prédio de 13 andares. E eu acho que é um monumento que fica para a posteridade sobre o sonho e o desespero, que parecem distantes um do outro, mas andam tantas vezes de mãos dadas, um puxando o outro, umas vezes para o céu, outras para o abismo.
Quantas vezes, procurando o sonho, escavamos o nosso buraco? A obstinação que nos salva é muitas vezes a mesma que nos condena. E é aqui que a porca torce o rabo. Que é como quem diz: quando é que devemos parar de escavar? Quando é que decidimos que um sonho não vale a pena e que o melhor é desistir?
A resposta não é fácil. Há quem olhe para João Pimenta da Silva como um pobre louco alucinado, que se deixou guiar pela ganância e pela ilusão. Mas também o podemos ver sob a lente de um romantismo fora de moda, que hoje se convencionou ser ridículo, e descrevê-lo como alguém que apostou tudo num sonho e morreu nessa demanda.
Vivemos num tempo sem heróis, nem sonhos. Mandaram-nos enterrar as utopias e atirar ao chão as estátuas. Passámos a viver de crise em crise, num estado de exceção permanente que se tornou normalidade. E, no entanto, sonhamos. Por muito que a realidade nos oprima e os tecnocratas nos ensinem a não almejar mais do que aquilo que nos dão como certo, continuamos a sonhar.
O problema é que, sem um rumo que nos oriente, sem uma ideia de alternativa, sem, vá, (será que se pode dizer?)... uma utopia, andamos só a escavar o buraco no qual inevitavelmente cairemos todos. Porque o futuro só se faz com esperança. A partir do momento em que aceitamos as distopias como uma espécie de fatalidade, desistimos de construir outra coisa que não seja a nossa própria cova.
O que nos falta é a esperança. É acreditar que o que aí vem pode ser melhor, que pode ser diferente. Andamos há demasiado tempo a boiar na inércia da falta de alternativa. E é nesse terreno, onde o sonho ainda esbraceja contra a torrente do fatalismo, que crescem as sementes do populismo e do extremismo, filhas dessa mesma corrente de pensamento da falta de alternativa, mascarando com ares de novidade a coisa mais velha do mundo. Com a mesma energia com que João cavou o seu buraco, devemos dedicar-nos a construir a esperança. Só ela nos poderá salvar.
margarida.davim@dn.pt