Ana Mendes Godinho não sabe ou não pode?
Parecem o topo do marketing político entrevistas como a que a ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social deu esta semana ao Expresso Economia. O título não podia ser mais simpático para as nossas consciências: Não nos interessa ter atividades que não garantam direitos laborais. É bonito. Uma governante preocupada, em nome de todos nós. Como se não tivéssemos aprendido com a história da nossa economia de que não há setores, há empresas. Quem ouviu este tipo de ladainha a propósito dos têxteis e calçado, sabe que é um chavão vazio. Gurus e políticos importantes também a repetiram na década de 80 e 90 do século passado e, repare-se agora, veja-se que setores contribuem tão intensamente para a balança comercial.
Mas o que é doloroso nas afirmações da Ministra da Segurança Social é o facto de ter ideias tão claras sobre a economia real e provavelmente não conhecer o que passam os seus trabalhadores da Segurança Social. Dir-se-ia mesmo que, a aplicar as regras da ministra a si própria, o seu Ministério deveria ser extinto por más práticas do Direito do Trabalho.
Ana Mendes Godinho passará certamente muitas horas a falar com as entidades patronais sobre contratação coletiva. Sabe o quão obrigatórias são as promoções dos trabalhadores ao fim de alguns anos, depois de verificados alguns pressupostos. No entanto, parece indiferente ou impotente para fazer justiça a funcionários com carreiras congeladas há quase 20 anos, numa violação que a inspeção do Estado puniria radicalmente caso descobrisse.
"É típico dos políticos dar entrevistas repletas de sociologia, sem chegarem a conhecer de forma transversal as suas equipas quanto a angústias e impasses."
A ministra assobia para o lado? É típico dos políticos dar entrevistas repletas de sociologia, sem chegarem a conhecer de forma transversal as suas equipas quanto a angústias e impasses. Pior: o ministério não premiou sequer a dedicação de tanta gente à sua volta que, numa agilidade inédita, conseguiu processar milhões de pagamentos de lay-off em plena pandemia, numa velocidade que se julgaria impossível face ao obsoleto monstro informático e péssimo interface com o cidadão que a Segurança Social representa.
Ana Mendes Godinho sabe que não se pode manter no ministério, tantos anos a fio, à espera que não lhe rebente a si uma bomba como a dos professores - e então, aí sim, consiga demover as Finanças e Costa para salvar a situação. Porque no dia em que as pensões e as baixas não chegarem às pessoas no final do mês, e se perceber então que o incumprimento salarial sobre aqueles trabalhadores públicos se arrasta há tantos anos, sobrará a pergunta: tantas preocupações sociais... onde?... e com quem?
A situação é grave porque do topo da hierarquia daquele ministério são ditadas orientações de fiscalização vazias de moral e cujo resultado significa, na prática, obter o máximo de receita à custa da economia. A brutal máquina de descontentamento chamada Estado cresce, aliás, com este formato: governos de esquerda que reforçam agressivamente direitos e governos de direita que maximizam a obtenção de receitas por tantos direitos incumpridos. Neste caso, os Governos de António Costa fazem as duas coisas ao mesmo tempo.
Ignorar que as pessoas estão cada vez mais zangadas é um erro crasso. Os mecanismos de repressão social do Estado deviam ponderar melhor sobre as vantagens da pedagogia nestes momentos tão tensos como o que estamos a viver, em vez da pura repressão. E começar por olhar, desde logo, para dentro de casa. É que, grão a grão, encontramos a explicação para um assunto escaldante: porque anda tanta gente a tentar encontrar uma maneira de dizer chega a isto tudo.
Jornalista