'Amor I love you', de Eça a Arnaldo Antunes
Eça de Queiroz nunca foi ao Brasil, mas o Brasil sempre foi com ele. Do avô refugiado no Rio de Janeiro dos tempos das guerras de liberdade ao pai nascido carioca. Da ama pernambucana, Ana Leal, aos inúmeros amigos de Pindorama. Pessoas que lhe ajudaram a construir um mundo de sentidos através dos, e atravessado pelos, afetos.
Os amores às pessoas e das pessoas são um território capaz de fazer o estrangeiro familiar. O afeto nos constrói e nos nacionaliza. E parece ser o amor a matéria suficiente para o corpo (tanto o humano que perece, quanto o social sem tempo) acolher quem não nos habita em linhagem ou burocracia, como uma ama pernambucana com seus acentos, ritmo e cores.
Há um pequeno e instigante trecho em uma das obras de Eça, O Primo Basílio, que se popularizou no Brasil na voz de Arnaldo Antunes. No fragmento Eça explica como Luísa recebeu uma carta de Basílio. Arnaldo, um dos maiores poetas, letristas e músicos brasileiros, de uma arte inquietante de atravessar as vísceras, mas suficientemente acolhedora, declama o fragmento numa belíssima música interpretada com Marisa Monte: Amor I Love You.
Se o Brasil afetou Eça, Eça afetou o Brasil na sua forma de dizer amor, nos fazendo sentir um acréscimo de estima por nós mesmos ao ritmo da voz de Arnaldo.
“(…) Tinha suspirado, tinha beijado o papel devotamente! Era a primeira vez que lhe escreviam aquelas sentimentalidades, e o seu orgulho dilatava-se ao calor amoroso que saía delas, como um corpo ressequido que se estira num banho tépido: sentia um acréscimo de estima por si mesma, e parecia-lhe que entrava enfim numa existência superiormente interessante, onde cada hora tinha o seu encanto diferente, cada passo conduzia a um êxtase, e a alma se cobria de um luxo radioso de sensações!”
Num mundo em que se insiste buscar originalidades imaculadas, Arnaldo consegue amplificar as importâncias sobre o que de fato nos afeta e comunica. Os acentos, esses detalhes geográficos presentes na expressão singular de cada língua - a fazendo muitas - são um embelezamento, uma sonoridade a nos convidar a perceber que há muitos ditos numa forma de dizer. E isso comunica para além das palavras. A gramática, esse acordo de fazer, é acesso. A ferramenta necessário que, mal usada, corta o que não precisa.
Um código de regras é tal qual uma etiqueta tensa e difícil de aprender e hábil em promover status ou exclusão. A etiqueta é a virtude da polidez. Mas a polidez é um simulacro de amor e precisamos urgente ressignificar os bons modos.
Incapaz de nos fazer amar a gramática nos apaixona quando poesia. E Arnaldo Antunes parece saber muito bem disso, e Eça muito antes dele. O afeto cria sentidos. Esse de fazer amor em palavras.
Sobre o amor escreveu Arnaldo:
“O amor sem palavras. Ou. A palavra amor, sem amor. Sendo amor, ou. A palavra ou. Sem substituir por. Si, a palavra si, sem ser de si gnada gnificada por. O amor. Entre si e o que se. Chama amor, como se. Amasse (esse pedaço de papel escrito amor). Somasse o amar ao nome amor, onde ecoa. O mar, onde some o mar onde soa. A palavra amor, sem palavra."
Nem tudo precisa ser compreendido ou corrigido pela régua dura da gramàtica. É preciso espaço para sentir o estrangeiro que revela histórias. Dar os tempos e aprender e desaprender e, enfim, fazer as misturas… tal qual ensina Amor I love you…