Americanos e iranianos
Quando Teerão acolheu entre 28 de novembro e 1 de dezembro de 1943 uma cimeira com Franklin Roosevelt, José Estaline e Winston Churchill, quase que se podia dizer que o presidente americano pisava um país que continuava a debater-se para se libertar tanto da influência russa, como da britânica, e que os Estados Unidos pouco contavam no Irão, que alguns anos antes tinha assumido internacionalmente o seu nome, em vez do antes utilizado Pérsia.
Foram precisas mais cimeiras de líderes, e ainda quase dois anos de conflito contra as potências do Eixo, mas com a vitória dos Aliados na Segunda Guerra Mundial, os britânicos viram o Império desaparecer em poucos anos, e americanos e russos (então na versão soviética) tornaram-se as duas superpotências capazes de mandar no mundo.
No Irão, um dos países fundadores das Nações Unidas, a ambição de aproveitar os novos tempos que viam as potências europeias recuar em influência, foi encarnada a dado momento por Mohammed Mossadegh, primeiro-ministro popular - e por isso tolerado pelo xá Reza Pahlavi - que decidiu avançar com a nacionalização do petróleo.
Apesar de serem os interesses britânicos que estavam em jogo, acabaram por ser os americanos a intervir. Em 1951 a revista Time punha Mossadegh na capa como “Homem do Ano”, por causa das nacionalizações, mas em 1953 tudo tinha mudado e mesmo que o político iraniano não fosse comunista, mas sim um nacionalista, a CIA avançou com o seu famoso golpe. Um golpe que muitos consideram ainda ser a base da traumática relação entre o Irão e os Estados Unidos, que agora atingiu novo ponto crítico com o bombardeamento de três instalações nucleares iranianas por ordem do presidente Donald Trump. Que a Operação Martelo da Meia-Noite tenha acontecido ao mesmo tempo que Israel está em guerra com o Irão, fez já as autoridades de Teerão falarem de “traição” e alertarem para “consequências duradouras”. Vem aí a retaliação?
Depois de 1953, Estados Unidos e Irão estreitaram laços. De repente, tornaram-se grandes aliados, no contexto da Guerra Fria, e também Israel beneficiou. Mas Reza Pahlavi governava pelo medo e, sobretudo a sua polícia política, a SAVAK, era tão temida que ainda é um nome que horroriza muitos iranianos. A revolução de 1979 foi contra a monarquia, uma ditadura que reprimia em nome da ocidentalização. E se a liberdade não chegou aos iranianos foi porque os religiosos xiitas emergiram como a mais forte das facções, com um líder carismático, Khomeini, que regressou do exílio como um libertador.
A queda do xá, significou também a queda em desgraça da relação entre o Irão e os Estados Unidos. O episódio do sequestro da embaixada americana em Teerão afastou de vez os dois países. Até hoje não voltaram a ter relações diplomáticas, nem sequer quando o acordo nuclear promovido pelo antecessor de Trump na Casa Branca, Barack Obama, foi assinado, com Teerão a aceitar vigilância internacional sobre o seu programa nuclear, oficialmente para fins civis, e em troca Washington a prometer o levantamento gradual das sanções que asfixiam a economia iraniana.
Os Estados Unidos, no primeiro mandato de Trump, recuaram no acordo. Mesmo quando Joe Biden, que foi vice-presidente de Obama, esteve depois na Casa Branca, não houve confiança para retomar o antes combinado. Com alguma surpresa, Trump de novo na Presidência, ainda deu a entender que a diplomacia podia voltar a acontecer, mas a situação no Médio Oriente tinha mudado tanto que, de certa forma, os Estados Unidos foram forçados a seguir Israel. Trump, que no primeiro mandato se destacou por evitar o envolvimento em guerras, e que foi eleito por muitos americanos cansados do envolvimento do país além-fronteiras, atacou o Irão.
Há dez dias que Israel atacara o Irão. Com o objetivo de destruir quaisquer ambições nucleares de um inimigo declarado. Também a sugerir aos iranianos uma revolta contra o regime dos ayatollahs, hoje liderado por Ali Khamenei. Benjamin Netayahu, um líder contestado internamente, até quando ataca o Hamas, em Gaza, tem na questão do Irão um vasto apoio dos israelitas. O que só o pode confortar que agiu no momento certo contra o Irão, país que denunciava há muito. Que a resposta ao ataque do Hamas a Israel a 7 de outubro de 2023 tenha enfraquecido os aliados do Irão, sobretudo o Hezbollah no Líbano, convenceu-o de que havia uma janela de oportunidade. A resposta iraniana está a ser dura, com destruição em Telavive, Jerusalém e outras cidades, mas a superioridade militar israelita tem sido manifesta. Faltava, porém, a bomba americana que fura bunkers. Que agora chegou. Graças a Trump.
O Irão vai responder. Ali Khamenei disse-o ainda antes deste ataque. No regime debate-se certamente o que fazer para salvar a face. Atacar bases americanas? Fechar o Estreito de Ormuz e causar uma crise petrolífera global? Não retaliar será visto como uma humilhação. Haverá quem fale dos 2500 anos de Civilização Persa, quando a América vai em 2026 celebrar 250 anos. Mas os Estados Unidos são demasiado fortes. A resposta inteligente não pode trazer ainda mais destruição a um povo que não será grande adepto do regime, como não o era do xá, mas que sobretudo não quer ser bombardeado.
O Irão ainda tem hipótese de ter a bomba? Essa é a grande incógnita. Já não se trata de se quer ou não. Israel e Estados Unidos não deixarão que aconteça. Os europeus também não querem. E os países árabes estão aliviados. Não haverá nova Cimeira de Teerão, mas talvez a diplomacia tenha mesmo de assumir o seu papel. E haver, um dia destes, uma cimeira para tentar resolver tantos dos conflitos intermináveis do Médio Oriente. Trump mostrou o quanto é poderoso. Diz querer a paz já. Que mostre que tem poder para impor outra agenda e acabar com estas guerras.
Diretor adjunto do Diário de Notícias