Ameaças à MGF impedem médico de família para todos
A Medicina Geral e Familiar (MGF) enfrenta diversas ameaças, que podem impedir que se fixem profissionais no Serviço Nacional de Saúde (SNS). Ocorrem vários fenómenos que ferem a especialidade e, assim, os novos especialistas em MGF, após terminarem a sua formação especializada, não ficam no SNS, designadamente devido às más condições de trabalho, o que condiciona a atribuição de equipa de família aos portugueses.
Muitas alterações estruturais e de gestão organizativa estão a acontecer neste momento no SNS. Parte desta reorganização visa os Cuidados de Saúde Primários (CSP) e, como tal, não pode cair em esquecimento a celebração de uma data especial. O Dia Mundial do Médico de Família é celebrado anualmente a 19 de maio.
É crescente o empenho da Ordem dos Médicos em enaltecer o papel da MGF no nosso sistema de saúde. Estas demonstrações dão força aos colegas em manter um papel ativo na sociedade como elementos primordiais da medicina comunitária. Desde a prevenção da doença, seguimento e diagnóstico de diversas patologias prevalecentes na nossa sociedade desde o nascimento até à morte, bem como o papel do seguimento da doença crónica complexa, com uma abordagem única na gestão da multimorbilidade.
É a especialidade basal de um sistema de saúde que funcione por complementaridade. O trabalho em equipa é uma ferramenta essencial no desempenho desta nobre atividade, de forma a gerir recursos, bem como a articulação a vários níveis da prestação de cuidados de saúde, fomentando a produtividade das unidades de saúde e promovendo a verdadeira integração de cuidados. É esse o nosso papel: ter uma abordagem única e efetiva para os nossos utentes com a premissa humana na relação médico-doente.
De uma vez por todas, a MGF deve assumir o seu papel único neste sistema. Esta especialidade está em crescimento num mundo cheio de ameaças.
Porque não recebemos o reconhecimento proporcional à nossa importância? Apesar de existir uma abordagem generalista na nossa prática clínica, temos uma especificidade que ninguém consegue suplantar.
A nossa especialidade tem o programa de formação muito organizado no contexto de todas as especialidades médicas, com um currículo diversificado, que permite formar médicos de família competentes. Isto já não é suficiente, pois igualmente ficam vagas por escolher porque os novos médicos percebem que não dispõem de condições mínimas para optar pela MGF.
A criação de indicadores de desempenho na avaliação dos cuidados prestados não funcionou - são indicadores de processo e não refletem praticamente resultados em saúde. Estes indicadores desmotivam as equipas que pretendem prestar os melhores cuidados de saúde possíveis à luz da melhor evidência científica atual. A imposição de listas de utentes cada vez maiores de forma a estes profissionais obterem alguns suplementos remuneratórios também não foi bem gerida e compromete o acesso dos portugueses ao seu médico de família, sendo este, mais uma vez, um fator de desmotivação nas equipas. A carga de trabalho dos médicos de família tem de ser revista para se conseguir mais tempo com os doentes e prestar os cuidados longitudinais que os caracterizam e melhorar o acesso dos utentes ao seu médico de proximidade.
As Unidades de Saúde Familiar (USF) modelo B são exemplos de boas práticas em saúde, mas só isso não chega. A tutela, em conjunto com a Ordem dos Médicos, os sindicatos e a Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar, deve encontrar consensos para uma “nova” reforma efetiva dos CSP. É importante que nas novas Unidades Locais de Saúde (ULS) o papel dos CSP não seja diminuído, precisamos de conselhos de administração sensibilizados para estes fatores da importância no investimento efetivo dos CSP, bem como dar voz ao papel do diretor clínico dos CSP na defesa dos profissionais e dos utentes. Não nos podemos tornar num modelo absorvido pelos cuidados hospitalares, que apresentam grandes debilidades. Há o receio da perda de independência nesta gestão própria e única que não se compara aos hospitais. Nós somos a resposta e, para isso, criem-se as condições para nos valorizar e fixar. Criar competitividade e um modelo atrativo para fixar médicos de família no SNS é emergente.
A missão da MGF é particular, vem de um sentimento de fazer a diferença na vida das pessoas, vem da responsabilidade ética e deontológica de cada um, com o foco na pessoa, na proximidade e na abordagem holística que nos caracteriza. Os que cá continuam mantêm-se a lutar pelas melhores condições para todos, profissionais e doentes a todos os níveis.
Fazemos a diferença, por isso valorizem-se os médicos de família em Portugal.
Que nesta data sejamos lembrados como uma parte fundamental da saúde e do bem-estar de todos.
Feliz Dia Mundial do Médico de Família!