Alverca quer ser +1 e promete arrasar CTI

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Acabou a era do aquecimento global e começou a era da ebulição global". A frase de António Guterres, a partir das Nações Unidas, terá o caminho do costume: cinco segundos de espanto, uma eternidade de esquecimento. Porque nada do que sucede a seguir reflete uma mudança de atitude, uma consciência coletiva do problema. O nosso caso com o novo aeroporto é exatamente assim.

Lisboa aguenta quantos mais turistas e hotéis? Que nível de impacto pretendemos no território com uma obra colossal? Continuamos a ficar nas mãos da Vinci por umas décadas extra se fizerem um aeroporto na Margem Sul? Não há dúvida de que melhorar a Portela e a qualidade de vida em Lisboa é muito importante. O problema é fazer-se isto à custa do aquífero de Alcochete, a maior reserva de água do país e da Península Ibérica. (Guterres? Zero.) Ou ignorar que se vai ocupar um campo de tiro com 7500 hectares, com destruição do ecossistema do montado, a que se junta a necessidade de encontrar outros 7500 hectares para instalar um novo campo de tiro para o Exército. E, em paralelo com isto, rega-se o delírio com oito mil milhões em aeroporto + acessos, postergando a sua entrada em funcionamento por 10 a 15 anos.

Ou não... Como a obra demora muito, afinal também se destrói uma das maiores reservas ornitológicas da Europa porque precisamos de fazer a correr o Montijo, para depois o fechar. Risco de colisão com as aves? A questão central, como dizia um responsável da Vinci, há uns meses, numa conversa, sintetiza-se neste ponto: "As aves não são estúpidas e fogem dali". Sempre o paradigma que move esta absoluta prepotência humana: destruímos os ecossistemas porque sim. Guterres? Zero.

Não por acaso, o Governo isentou esta semana a Comissão Técnica Independente de encomendar os estudos de impacto ambientais básicos para distinguir as propostas. Ou seja, primeiro escolhe-se, depois martela-se o relatório ambiental até lá caber o que se quer.

Questão habitual: há alternativas? Dará pano para mangas a contestação jurídica que o grupo promotor de Alverca (José Furtado, Carmona Rodrigues, Luís Janeiro, Fernando Nunes da Silva, etc.) vai lançar sobre a Comissão Técnica Independente.

Nas mil páginas da sua proposta, Alverca tenta demonstrar que já existe ali uma infraestrutura-base aeroportuária, é abissalmente mais barata que Alcochete e já tem acessos ferroviários à Linha do Norte - além de permitir a conexão à alta-velocidade Lisboa-Madrid através de uma ponte ferroviária mais barata entre Alverca e Barreiro.

O estudo de Alverca propõe ainda a ligação à Portela via shuttle em 14 minutos e a construção de pistas com orientação compatível com o atual aeroporto. Questão importante: a construção de três ou mais pistas sobre o mouchão do Tejo é aceitável ou não? Seriam necessários estudos de impacto ambiental para o demonstrar. Os promotores dizem também que as pistas ficariam dois metros acima do nível do Terreiro do Paço - ou seja, com risco controlado face à previsível subida do nível das águas.

Santarém (garantindo uma maior descentralização e eventual menor impacto ambiental) ou Alverca (uma espécie de gémeo da Portela), não são opções que mereciam estudo aprofundado? Se Portugal não fosse gerido num dossier como este ao sabor do vento (da política), teria especialistas nacionais, a par de consultores internacionais (daqueles que constroem aeroportos) para avaliar as hipóteses. Mas optamos pelo mais difícil: uma ideia de 2008, incompatível com o caos ambiental que esta semana uma vez mais se anunciou. Guterres? Zero.

Jornalista

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