Algumas notas sobre as presidenciais
As eleições presidenciais que terão lugar no início do próximo ano serão, provavelmente, as mais importantes das últimas décadas, porque para além da escolha do mais alto magistrado da Nação, estará em cima da mesa uma decisão sobre o que pretendemos num Presidente da República. Isto é, em termos de currículo, de percurso cívico e da forma como os candidatos encaram as funções presidenciais.
Estas serão as primeiras eleições presidenciais em que uma personalidade alheia aos partidos políticos - o almirante Gouveia e Melo - tem verdadeiras hipóteses de ser eleito, sobretudo se não chegar a haver segunda volta. Serão também as primeiras presidenciais, desde 1986, em que um militar tem possibilidades de chegar a Belém. E serão, também, as primeiras presidenciais em que o candidato melhor posicionado tem um entendimento das funções do Chefe do Estado que é distinta daquela a que estamos habituados. Se for eleito, Gouveia e Melo será um Presidente interventivo, ainda que dentro dos limites da Constituição. Não é preciso ter uma bola de cristal para perceber que a personalidade do almirante não se coaduna com a de um rei de Inglaterra que, em público, apenas pode repetir aquilo que os seus ministros lhe pedem que diga. De igual modo, não será de esperar que se limite a lançar alertas ou recomendações ao Governo, sobretudo se estas forem ignoradas. Pelo contrário, será de esperar que teste os limites da interpretação que é comumente feita dos poderes constitucionais do Presidente, até porque de outro modo a sua candidatura não faria sentido, uma vez que aquilo que o distingue dos outros candidatos, aos olhos do eleitorado, é o facto de ser percecionado como um líder que coloca a casa em ordem e faz as coisas acontecer.
Este aspeto será decisivo, juntamente com o facto de não ter experiência política, porque constitui o principal ponto forte e, em simultâneo, a grande vulnerabilidade da candidatura de Gouveia e Melo. Um ponto forte, porque muitos portugueses estão cansados dos políticos tradicionais e não ter experiência na área equivale a não ter cadastro. Muitos aceitarão um reforço dos poderes presidenciais, com uma espécie de “macronização” do regime, se tal for percecionado como necessário para assegurar a estabilidade política e desfazer os nós górdios em várias áreas. Mas é também uma vulnerabilidade, porque se torna fácil argumentar que o almirante se poderá tornar um fator de instabilidade, se não souber exercer uma magistratura de influência que seja discreta e eficaz. Será de esperar, por isso, que este ponto seja explorado por Luís Marques Mendes e outros atuais ou futuros candidatos.
Marques Mendes tem sabido, de resto, tirar partido das circunstâncias, conquistando apoios à esquerda e à direita, entre o eleitorado que não se revê no almirante, o que se reflete na sua subida nas sondagens. E tem sabido aproveitar o facto de o PS ainda estar dividido em relação ao apoio a António José Seguro. A possibilidade de uma nova candidatura presidencial vinda do mundo castrense, se o major-general Isidro Morais Pereira se candidatar, será outro ponto a favor do candidato apoiado pelo PSD, se o eleitorado de Gouveia e Melo ficar dividido.
Até ao lavar dos cestos é vindima, mas afigura-se razoável supor que o almirante tudo fará para vencer à primeira volta, já que uma eventual segunda volta aumentará bastante as chances de vitória para Marques Mendes ou Seguro.