Alemanha: operação relâmpago
Foi uma verdadeira operação relâmpago a que aconteceu na semana passada entre 18 e 21 de de Março no Parlamento alemão. E tinha mesmo de ser assim, depois das eleições de 23 de Fevereiro terem mudado radicalmente o equilíbrio de forças. O novo Parlamento entrava em funções logo a 25 de Março e no novo Parlamento o partido nacionalista radical, AfD, tinha 152 deputados, logo a seguir ao do centro-direita, CDU/CSU, com 208; os sociais-democratas da SPD tinham descido para 120 lugares, os Verdes para 85 e os liberais da FDP nem tinham chegado aos 5%. Já o partido Esquerda, o antigo partido comunista da RDA, conseguira uns impressionantes 64 lugares.
Daqui resultava que os “extremos”, os malfadados extremos, somando os 152 votos da AfD aos 64 do Die Linke, tinham agora uma “minoria de bloqueio”. O novo parlamento era, ou deveria ser, expressão da vontade do povo alemão, e o povo, além de ser soberano era, supostamente, sábio; mas o que fazer quando o sábio povo se enganava?
Quem tem acompanhado as vicissitudes da democracia romena, sabe que os verdadeiros democratas não se deixam embaraçar por estas minudências da legitimidade, da vontade, da soberania e da sabedoria popular quando o povo deixa de ser sábio e se trata de salvar a democracia e combater os extremos.
Assim, antes que o novo Parlamento entrasse em funções, o futuro chanceler Frederick von Merz aproveitou o interregno para, numa operação relâmpago, submeter ao voto parlamentar um plano de ruptura para pôr termo ao famoso “travão da dívida” constitucional, que limitava a capacidade de endividamento da Alemanha desde a crise do Euro, quando o governo de Angela Merkel o fizera inscrever na Constituição.
As medidas de restrição da dívida pública têm, na Alemanha, um especial sentido: os alemães associam o crescimento da dívida à inflação, e os que sabem História lembram-se do que aconteceu há um século, com a inflação e as suas consequências. Durante a campanha eleitoral, Merz tinha sido provocado pelos Verdes e pelo SPD nessa matéria, mas tinha-se comprometido perante o seu eleitorado a não mexer no “travão da dívida”. Porém, descomprometeu-se agora, aproveitando a janela de oportunidade e fazendo-se valer de um argumento de peso - a tenebrosa dupla Trump-Putin e o seu conluio iliberal que promete vitimar a Europa.
O frenesim belicista já tinha tido outras manifestações em Bruxelas, onde os dirigentes do Partido Popular Europeu (PPE), o primeiro partido do Parlamento Europeu, se tinham juntado para discutir e aprovar a ideia de um “empréstimo comum” para combater a “ameaça russa”. Agora, na Alemanha, depois da “passagem administrativa” no Parlamento “em gestão”, as emendas à Constituição foram a votos na Câmara Alta (Bundesrat), onde estão representados os 16 Estados da República Federal, e foram aprovadas com 53 sins contra 16 nãos.
Os Verdes negociaram a aprovação do Plano a troco de 100 biliões de Euros para a “transição climática” e do compromisso solene de que o país atingiria a “neutralidade climática” em 2045.
As críticas a Merz, que na campanha eleitoral prometera não mexer no “travão da dívida”, chovem dos dirigentes da ala direita do seu partido, surpreendidos e irritados: “Isto é uma clara derrota para os conservadores”, disse Johannes Winkel, líder da juventude da CDU/CSU.
Pode até ser legal que um Parlamento que já foi mudado por uma eleição popular proceda a uma revisão constitucional relâmpago, mas será legítimo?
Politólogo e escritor
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia