Ainda há heróis
Aos quarenta anos comecei a pintar.
Como não tinha tempo para ir para uma escola de artes - e talvez também porque a minha maneira de ser é muito mais de aprender pelo exemplo do que pela teoria - escolhi aprender trabalhando com pintores que me foram ensinando tudo o que hoje sei sobre esta maravilhosa arte.
Pintar é, em primeiro lugar, uma manifestação criativa que nos permite transmitir sentimentos e pensamentos, que muitas vezes nem sequer sabemos que os tínhamos ou que os queríamos partilhar.
É uma atividade que parte do meu interior e que tem como resultado uma imagem que impacta com todos os que se confrontam com ela.
Dizia a Paula Rego, quando era confrontada com a opinião dos críticos que explicavam o que representava a sua pintura em determinada obra, que era aos críticos que competia fazer essa leitura, que ela apenas tinha pintado.
É uma definição muito clara e forte daquilo que sente o artista. O artista cria.
Quando o artista usa a sua pintura para passar uma mensagem política, deixou de ser o artista para passar a ser o político.
Quando o artista pinta uma cena de miséria, de fealdade ou de alegria, não está a passar uma mensagem, está a transmitir um sentimento.
E a qualidade do seu trabalho deve ser medida pela qualidade da sua técnica, mas também pela sua capacidade de transmitir esse sentimento que pintou.
Ao fim dos meus primeiros passos na pintura fui aconselhado a ir ver a obra de Lucian Freud, numa visita que fiz a Londres.
Fui vê-lo ao museu de arte moderna e fiquei profundamente chocado pela brutalidade dos seus quadros.
A agressividade dos temas e a forma fortíssima como colocava a tinta nos seus quadros levou-me a ter uma reação de rejeição imediata.
Passado algum tempo comecei a olhar de novo e acabei apaixonado pela sua obra.
Foi nessa visita que me encontrei pela primeira vez com a obra de Paula Rego.
A sensação não foi tão forte, talvez por me ter já confrontado com a força de Freud, mas aquele quadro que estava à minha frente também me incomodou.
As personagens eram desagradáveis e o tema era feio.
Mas a pintura era excelente e quem conseguiria criar em mim um sentimento igual apenas com uma imagem?
Tenho a sorte de não ser crítico de arte e, por isso, não tenho a mínima ideia do que queria transmitir política ou socialmente a Paula Rego, mas não tenho qualquer dúvida do sentimento que me transmitiu com aquela sua pintura.
Ela criou muitos sentimentos e muitos dos meus amigos se queixam de que os seus quadros não são bonitos, mas todos temos consciência de que o sentimento que a Paula Rego tinha para nos transmitir não era belo.
Era duro e forte, era preocupado e consistente.
Era Paula Rego.
Paula Rego foi um dos nomes da pintura portuguesa mais conhecidos no mundo e que deu ao nosso país um reconhecimento que poucas vezes conseguimos, fora do ambiente do desporto e mais especificamente do futebol.
Ao lado de Saramago, de Amália Rodrigues, de Fernando Pessoa e Luís de Camões, são glórias que nos colocam na boca do mundo e que nós não podemos deixar de valorizar e de promover se queremos ganhar o lugar de relevo que Portugal merece.
Agradecer a sua vida e o seu trabalho é aquilo que nos compete.
Tenhamos orgulho na nossa gente.
bruno.bobone.dn@gmail.com