Ai, que me lixaram o 15.º mês

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É incrível o gigantesco número de portugueses que vive numa espécie de síndrome de Estocolmo relativamente à gestão pública do seu dinheiro. São maltratados, abusados, mas não apenas gostam, como querem mais. E a recente “polémica” (entre aspas, porque não deveria sê-lo) relativamente aos reembolsos do IRS - que esta segunda-feira teve mais um episódio, com troca de argumentos entre Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos - é mais um triste reflexo disso mesmo.

Não deveria ser necessário explicar a todos os que pagam IRS que a retenção na fonte mensal que se faz ao longo do ano é um adiantamento sobre o imposto a pagar quando o ano terminar. Pelo que, idealmente, todas as declarações fiscais no fim do ano dariam zero. A pessoa não teria nada que pagar ao Estado, pois já o fez, nem que receber, pois não pagou em demasia.

Claro que depois entram as deduções, como despesas de saúde e os valores suportados com IVA em compras para a casa, restaurantes, cabeleireiros, oficinas, etc. - aqueles que estão descriminados no portal do E-fatura. Apesar de muito limitadas (apenas a saúde tem um valor, que atinge os 1500 euros, dedutível, caso tenha havido um azar grande e, como tal, despesas que justifiquem tanta dedução) estes valores sempre poderão justificar algum reembolso. Estejam as retenções na fonte bem feitas, não deverão os contribuintes com rendimentos por conta de outrem esperar por muito mais do que reembolsos desta ordem - e o próprio site do E-fatura faz o cálculo ao longo do ano. Isto a não ser que haja mais coisas que se possam deduzir.

Se a pessoa estava habituada a receber um reembolso mais avultado, era sinal de que, provavelmente, estaria a descontar mais do que deveria - ou seja, estava literalmente a deixar dinheiro a mais nos cofres do Estado ao longo do ano, numa espécie de poupança forçada. O que as novas tabelas de retenção vieram fazer foi repor alguma verdade nas contas, aproximando (pelo menos na grande maioria dos casos) o pagamento mensal à realidade do imposto a pagar no fim do ano. Simultaneamente, aumentou-se com isso a liquidez mensal de muitos contribuintes - e disfarçou-se a realidade da baixa do IRS realizada: que para a maioria das pessoas rondou os 33 euros mensais! Mais um café por dia...

Defender que se deve usar o reembolso do IRS como uma espécie de 15.º mês, a par dos subsídios de férias e Natal, é não apenas ajudar a manter as pessoas em iliteracia financeira, dependência do Estado, sem controlo sobre o seu dinheiro, mas é, acima de tudo, querer tirar-lhes mais do que seria preciso todos os meses para melhorar a tesouraria das Finanças Públicas. Isto não é forma de gerir com boa-fé o dinheiro de cada um de nós.

A não ser que PNS esteja a pensar naquele outro famoso meme: “Ainda bem que recebi o reembolso do IRS! Mesmo a tempo de pagar o IMI!” Para alguns já não dará...

Editor do Diário de Notícias

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