Agora sim, podemos ser a Califórnia da Europa
Durante anos, Portugal - e em particular o Algarve - foi descrito, mais em jeito de sonho do que de estratégia, como a “Califórnia da Europa”. A expressão era usada com um certo orgulho turístico, mas sem nunca se concretizar em algo transformador. Pois bem, a oportunidade voltou. E desta vez não é sol, praia ou gastronomia que nos deve mover - é ciência. É futuro.
A América, outrora farol da liberdade científica, mergulha agora num clima tóxico para os seus investigadores, especialmente sob lideranças políticas que desprezam conhecimento e desvalorizam a inovação. O que seria, então, se Portugal - um dos países mais seguros do mundo, com o melhor clima da Europa, a melhor gastronomia, um povo acolhedor e a menos de três horas das capitais europeias - se chegasse à frente com uma proposta irrecusável para atrair cientistas norte-americanos?
Imaginem um “Instituto Internacional para a Transição”, sediado no Algarve, com foco na descarbonização da economia, na transição energética e digital, e na aplicação de inteligência artificial. Um instituto com ambição, com instalações de topo, alojamento para investigadores e famílias, com financiamento robusto e foco em soluções práticas e exportáveis para o mercado global.
Em escalas mais modestas, e de muito mérito, já foram ensaiados empreendimentos semelhantes entre nós: é o caso do Instituto Internacional Ibérico de Nanotecnologia, em Braga; e do Botton-Champalimaud Pancreatic Cancer Centre, em Lisboa. A ideia seria agora dar um salto muito maior, aproveitando a possibilidade de deserção de muitos cientistas americanos, a que seguramente se juntariam muitos outros europeus. Portugal poderia finalmente entrar na “primeira divisão” da investigação mundial.
Esta jornada reclama três alavancas essenciais. A primeira é a coragem política, justamente aquela que me coloca mais reservas. A paisagem política nacional está a deixar-se aprisionar no curto prazo. Já quase ninguém perspetiva o futuro e a forma de o moldar. Sem este impulso visionário, tendemos para a irrelevância periférica. Se um governo tiver coragem para esta decisão, estou certo de que encontraremos o “campeão” para a tornar realidade.
A segunda alavanca é a definição clara do mandato do novo Instituto. É crucial não cair na armadilha de muitas universidades, que mantêm exércitos de investigadores centrados na publicação do seu artiguinho e na viagem de dez dias à conferência de Tóquio (em que farão uma apresentação de 15 minutos). O que se procura aqui é o desenvolvimento de projetos orientados para resultados, avançados, úteis e implementáveis, e não para a mera problematização teórica.
Por fim, a alavanca do financiamento. Redirecionar fundos europeus e do Fundo Ambiental para este fim seria uma decisão mais do que óbvia. Quanto custaria? Direi que a ambição justifica um “ticket” inicial de mil milhões de euros. Um bilião, como dizem os americanos. Uma pechincha, quando comparado com os retornos que traria: reputação, talento, conhecimento, inovação, valor e futuro.
Professor catedrático