Afinal a escalada pode estar a acontecer no Médio Oriente; ou não
Está em curso uma retaliação do Irão sobre Israel, muito provavelmente com apoio do Eixo da Resistência, em especial do Hezbollah. Uma reação bastante inesperada, pois a racionalidade estratégica levava-nos a supor que o Irão se iria resguardar duma reação muito mais assertiva de Israel, relativamente ao que aconteceu em abril passado. Não há, ainda, uma noção exata da dimensão do ataque e dos seus efeitos no território israelita.
Muito provavelmente, o Irão arriscou o ataque antes dos Estados Unidos terem um dispositivo defensivo, apoiado em meios navais, que ainda se desloca para a região.
Embora a avaliação dos efeitos tenha de ser feita, Israel vai responder e, essa resposta, poderá ter diversas configurações, de acordo com a avaliação estratégica a fazer. Poderá ir, no limite, a uma resposta nuclear, caso fosse considerado que a sobrevivência do estado judaico estava em risco (o que não nos parece), até uma resposta mais moderada, mas sempre de grau superior à resposta de abril. Uma retaliação convencional robusta não deverá ser descartada, que poderá incluir ataques ao complexo militar industrial iraniano e, muito provavelmente, às infraestruturas de capacitação nuclear do Irão.
Mas, ao nível local, é muito provável que a robustez das ações sobre o Hezbollah venham a aumentar, de modo a incapacitar este grupo, política e militarmente, por um longo período, senão para sempre.
A estratégia, em curso, de Israel desmantelar a capacidades dos proxies do Eixo da Resistência, que alterou a estratégia anterior de acomodação estratégica com os grupos inimigos, desde que as suas ações não ultrapassassem determinadas linhas limites, introduz uma postura diferente das Forças de Defesa de Israel (IDF) que já se tinha feito notar com as operações na Faixa de Gaza.
Ao nível regional, embora haja preocupações dos países árabes mais moderados, começa a sentir-se a necessidade de dar uma resposta ao Irão, em especial pelas monarquias sunitas do Golfo, no sentido de retirar esta relevância estratégica que o Irão construiu nos últimos 20 anos. Tudo isto muito à custa da construção do Eixo da Resistência, que não foi construído só por causa de Israel, mas também para atacar as monarquias sunitas da região, em especial a Arábia Saudita, como foi o caso dos Houthis do Iémen. Cada vez há mais a noção de que, um Irão nuclear será um perigo estratégico para toda a região e irá conduzir a uma proliferação nuclear horizontal.
Resta ainda ver as reações dos principais atores externos, nomeadamente a Rússia e a China, em especial o primeiro, que tem relações privilegiadas com o Irão e onde o primeiro-ministro russo esteve em visita nos últimos dias. A Rússia irá fazer tudo no sentido de não deixar cair o seu parceiro estratégico, que lhe fornece capacidades militares diversas para a Guerra com a Ucrânia, e onde uma degradação da sua capacidade industrial militar seria muito penalizadora para a própria Rússia. Sobre os Estados Unidos falta ainda ver que nível de participação teve no esforço de defesa aérea do território israelita. Não temos para já informação que tenha havido ataques diretos a bases americana na região. No entanto o ataque do Irão irá ter consequências da parte dos EUA, nomeadamente e no mínimo incremento de sanções.
Mas no fundo, independentemente da resposta retaliatória sobre o Irão, por parte de Israel, este último irá continuar as operações no Líbano de modo a cumprir os seus objetivos militares no sentido garantir a segurança da sua zona norte, de modo a permitir o regresso, a curto prazo, dos deslocados internos afastados das suas casas, quase há um ano.
Por fim, não será de desprezar as medidas diplomáticas internacionais no sentido de pôr cobro à escalada, embora o ambiente regional não seja propicio a negociações. A diplomacia será sempre um processo permanente, mesmo em situações de guerra aberta, e cujos resultados só normalmente conhecidos mais à frente. Vamos ver os próximos sinais dos atores principais para melhor percebermos o futuro.