Aeroporto Margem Sul: 8 mil milhões em causa

Imaginemos que as duas grandes alternativas na construção de um aeroporto tinham uma diferença de custo de oito mil milhões. Isto seria relevante? A questão parece absurda, mas o problema é real. Nos 10 principais critérios da Comissão Técnica Independente (CTI) para escolher o novo aeroporto, nenhum é sobre o custo.

Vejamos os critérios: 1 - Proximidade em quilómetros. 2 - Infraestrutura existente ou planeada. 3 - Área de expansão. 4 - Capacidade de movimentos/hora. 5 - Conflitos com espaço aéreo militar. 6 - Riscos naturais. 7 - População afetada. 8 - Áreas naturais e corredores migratórios. 9 - Existência de Estudos de Impacto Ambiental. 10 - Importância estratégica para a Força Aérea. Com base nesta chave de avaliação revelada na quinta-feira passada, deixo aqui algumas interrogações sobre as fases seguintes.

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A Comissão Técnica já deu indicações de querer apontar para uma solução de um só aeroporto (na Margem Sul) e não o Portela + 1. É uma decisão arriscada e à revelia dos players e do mercado. Desde logo, a Câmara de Lisboa nunca disse (Medina, Moedas) se quer ou não a Portela. E já agora, os hoteleiros, se pudessem decidir, escolheriam o Lisboa + 1 - veja-se as declarações do líder de um dos principais grupos nacionais, o Vila Galé.

Fazer da Portela um aeroporto de jatos privados ou apenas para algumas low-cost, como parece indicar preliminarmente a CTI, é o pior de dois mundos. Nem área verde nem utilidade estratégica. Mas mais: menos de um mês depois do governo ter dado ordem à ANA para gastar 300 milhões na ampliação da Portela, a CTI dá um sinal diferente: é para deitar abaixo. Ora, a ANA vai meter 300 milhões numa obra que demorará dois a três anos até estar pronta, para funcionar a seguir apenas alguns anos mais?

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O futuro da TAP é indiferente para a CTI? Mudar para um só aeroporto em vez de Portela+1, retira ainda mais valor na venda que está em curso e condena-a a uma companhia pequena. Além disso, retira força a Lisboa enquanto destino turístico de estadia curta.

Pior: quanto mais próximo e em concorrência com Madrid estiver o nosso aeroporto da Margem Sul, mais os espanhóis tentarão torpedeá-lo desde o minuto zero. Começando por adiar ad infinitum a alta velocidade Lisboa-Madrid. Vamos gastar outras centenas de milhões para um Lisboa-Elvas?

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Só há duas propostas privadas em cima da mesa - e isto devia fazer pensar os especialistas da CTI. A ANA é a concessionária e já disse que não gasta mais do que 500 milhões na expansão da Portela e até 800 milhões no Montijo. Ora, sendo o Montijo uma obra impossível, e custando Alcochete (obra e acesso) os tais oito mil milhões, os franceses - donos da ANA - já disseram que não pagam. Portanto, paga o Orçamento e a subida exponencial das taxas aeroportuárias, num encarecimento significativo dos nossos custos individuais para sair e voltar de Portugal, fora a perda de competitividade para o turismo.

A alternativa Santarém, surgindo do Grupo Barraqueiro e anunciado como a "custo zero para o Estado", deveria entrar seriamente na equação pela rapidez de execução (quatro anos) e rápido alívio da Portela. E sobretudo porque em Santarém a Linha do Norte já lá está. Só falta planear o trajeto da alta velocidade Lisboa-Braga, fazendo passar via Santarém, - é uma opção de rota, nem sequer é um custo extra.

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O território é decisivo nesta questão. Desde logo, o impacto ambiental na Margem Sul, muralha ambiental de Lisboa. Um aeroporto transfere da Margem Norte para a Margem Sul o hinterland aeroportuário, num impacto desmedido para um território ainda preservado. Depois, o desequilíbrio do país: em quatro aeroportos em Portugal continental, três estarão a Sul do Tejo - Margem Sul, Beja e Faro. (Aliás, um aeroporto em Alcochete/Rio Frio ficaria a escassos 130 km de Beja. Deitam-no abaixo)?

Por fim, um aeroporto de Lisboa também é um aeroporto nacional. E se, por ferrovia, Lisboa-Margem Sul (imaginemos que Alcochete, aproximadamente a 50 km) ficaria a 20 minutos de comboio do centro da capital, Santarém dista 30 a 35 minutos, apesar dos 85 km. Só que Santarém deixa Coimbra a 130 km de um aeroporto, Leiria e Nazaré (surf) a 90 km, e dá uma nova centralidade a Mafra e Torres Vedras sem que Lisboa seja prejudicada por isso - porque há a Portela. Além de que Fátima é quase ao lado - e estima-se que mais de um milhão de turistas passem pelo santuário anualmente. A margem de crescimento para o turismo no Centro seria exponencial. Ou queremos crescer sem limite sempre na capital e, por via disso, rebentar de vez com Lisboa? O impacto do crescimento vai ser estudado?

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Passam os meses e, além da TAP, voltamos sempre à herança Pedro Nuno Santo e a Hugo Mendes - neste caso, ao anúncio extemporâneo de que fariam, não um, mas dois aeroportos, Montijo e Alcochete. Uma coisa à Sócrates. E talvez continuemos no mesmo mindset, apesar do que acabamos por passar na última década. Porque tudo parece indicar que aí vamos nós rumo à fatal atração pelo abismo de um investimento público faraónico, que nunca fica nem ao preço nem no prazo anunciado. E isto com o aval das melhores mentes do país.

Jornalista

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