Aeroporto demonstrará quem manda no governo

Não há memória de uma decisão tão brutal e inusitada como aquela em que, sozinho, da sua coutada onírica, Pedro Nuno Santos (PNS) vinculou o país a dois aeroportos: Montijo e Alcochete. Note-se: não um. Dois. Numa responsabilidade pública de pelo menos oito mil milhões de euros. Aquele dia marcou uma nova fase da vida pública do Portugal pós-Sócrates. Um ministro, chefe de fação do PS, coloca em ação a Geringonça II. Achando que tinha poder para isso. Passando por cima do primeiro-ministro. É obra.

Como se manteve PNS em funções desde essa altura é o único mistério. Não por acaso, António Costa tinha considerado, na entrevista de dezembro à Visão, o "Aeroporto PNS" como o momento mais complexo que viveu ao longo de 2022. Porque tudo em PNS era "andar para a frente". Essa sobranceria levou a que, pela mesma altura, tenha achado irrelevante uma indemnização de 500 mil euros à gestora da TAP, Alexandra Reis, sem que isso a impedisse de ser presidente da NAV. Em que grupo privado alguém receberia 500 mil euros para passar de administradora despedida a presidente de outra empresa do mesmo patrão?

Agora, António Costa escolheu João Galamba para substituir PNS nas Infraestruturas. Galamba responde ao primeiro-ministro ou a PNS? A pergunta parece absurda, mas já nada é impossível. E por isso mesmo, a decisão sobre o aeroporto tem tudo para ser mais um ponto crítico em 2024, o tal ano Marcelo. É que, se não queria este ónus, Costa teria de ter escolhido uma figura nova e acima de suspeita para romper com as decisões pré-preparadas de PNS.

O aeroporto representa, assim, uma batalha política com três contendores: 1) a Esquerda PNS-Geringonça, da Margem Sul (sobretudo Alcochete) e para quem a dimensão do gigantesco investimento público é apenas um detalhe técnico; 2) a fação Portela-Montijo, da ANA-Vinci, tendo José Luís Arnaut como o pivô político que abre todas as portas; 3) a correr pela pista de fora, a solução Santarém, com o ex-líder da Cisco em Portugal, Carlos Brazão + o grupo Barraqueiro, cuja relação com o governo pode estar estragada por causa da TAP, mas cujo trunfo político passa pelos autarcas do Centro do país. (Não é de descartar que Alverca se transforme na tábua de salvação da Vinci para não perder o monopólio do hub de Lisboa).

Dado importante: a ANA-Vinci alertou que, afinal, não paga o novo aeroporto - seja Montijo, seja Alcochete. Serão as taxas aeroportuárias a suportar os mil milhões do Montijo. Mas será o Estado a pagar Alcochete praticamente na íntegra, porque não há taxas que cubram aeroporto + acessos (8 mil milhões). Alverca tem um custo estimado de 500 milhões, suportado por taxas aeroportuárias. Santarém também anunciou não precisar de investimento público.

A diferença significativa nesta batalha é de que "Santarém" cria concorrência aeroportuária à Vinci. E isso vale muito: o atual monopólio dos aeroportos nacionais, vendido em pacote pelo Governo Passos Coelho, é uma máquina de fazer dinheiro. Os franceses pagaram três mil milhões por 50 anos de concessão, em 2012, mas já lucraram perto de 1500 milhões em apenas 10 anos. E as taxas não param de subir.

A decisão do aeroporto mostrará se vence a ponderação do menor custo para o Estado, se o impacto ambiental também é tido em conta, ou se as guerras políticas dentro do PS e provavelmente no PSD, contam no momento decisivo. Com uma dúvida extra: Marcelo deve arbitrar esta contenda? É todo o atual sistema que estará em causa na transparência desta escolha.

Jornalista

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