"Adults only"

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De França chegou na última semana a notícia de um movimento legislativo em curso para tentar ilegalizar uma tendência crescente no mercado turístico: os estabelecimentos “children free” ou “adults only”.

Laurence Rossignol, uma senadora socialista, pretende apresentar um projeto de lei nesse sentido, enquanto a alta comissária francesa para a infância, Sarah El Haïry, já disse que os advogados governamentais estão a analisar se será possível agir legalmente contra estabelecimentos que excluem famílias, usando argumentos como "violência contra crianças" e a necessidade de “evitar a institucionalização da ideia de que a ausência de crianças é um luxo".

Como pai de três, compreendo a frustração de ver vetado o acesso a um determinado hotel, não poder experimentar em família um qualquer restaurante ou não usufruir de um qualquer local paradisíaco só pelo facto de ter descendência pequena na comitiva. Mas, convenhamos, quantos de nós, pais, não maldissemos já os putos malcriados dos outros, claro, que andam pelo hotel aos gritos, fazem birras na mesa ao lado no restaurante ou teimam em fazer “bombas” na piscina enquanto o paizinho e a mãezinha fingem não ver a proibição escrita a letras vermelhas? E aquela noite em que tentámos ter um jantar a dois, sem as crianças que os avós generosamente se ofereceram para cuidar, porque precisamente nesse dia os nossos vizinhos de mesa no restaurante calham de ser uns pais recentes com um adorável bebé com cólicas?

Num mundo já saturado de divisões, teimamos em querer impor modelos uns aos outros sem atender verdadeiramente às necessidades e liberdades de cada um. Nem tudo é um pretenso egoísmo na decisão de optar por umas férias sem crianças por perto; há pessoas a necessitar verdadeiramente de refúgio emocional após experiências traumáticas, algumas até relacionadas com a perda de um filho ou tentativas frustradas de fertilização, por exemplo.

Contudo, o debate tem um ponto mais sensível: a necessidade de prevenir uma espécie de gentrificação das famílias nos locais turísticos mais apetecíveis, à semelhança do que aconteceu no mercado de habitação das grandes cidades, para que não corramos o risco de qualquer casal ou pessoa com filhos se ver afastado de, por exemplo, aceder ao sudoeste alentejano porque ele foi monopolizado por um segmento de luxo que não tolera criancinhas.

Assegurada essa equidade de direitos, a sociedade não precisa de um campo de batalha cultural a cada esquina. Não é a liberdade de escolha a base de uma sociedade plural? Se assim é, aceitemos apenas que não podemos ter tudo, mas talvez todos possam ter um bocadinho.

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