Adaptação climática e a urgência na política
A adaptação ao clima é um tema que parece não preocupar as esferas de decisão em Portugal. Num cenário global onde as mudanças climáticas se impõem como uma realidade palpável e ameaçadora, Portugal situado no extremo sul da Europa, vê-se diante de desafios que vão além de meras previsões meteorológicas. O aumento das temperaturas, a escassez de água e a intensidade dos eventos climáticos extremos, como secas devastadoras e inundações repentinas, os fogos incontroláveis, colocam em xeque a viabilidade e vitalidade de diversas áreas económicas nacionais: agricultura, construção, industria, turismo, saúde entre outros.
É um paradoxo que, enquanto as consequências das mudanças climáticas se tornam cada vez mais evidentes, o Programa de Governo mencione a adaptação ao clima, de forma específica, apenas duas vezes: referente ao setor do Turismo e á necessidade de se atualizar a Estratégia Nacional de Adaptação às Alterações Climáticas. Essa lacuna não é apenas uma omissão; é um sinal de que a questão da adaptação não está a receber a atenção que merece.
A Estratégia Nacional de Adaptação às Alterações Climáticas e o seu plano de ação deveriam estar também no centro do desenvolvimento das políticas públicas na área económica, fiscal, educação e saúde. No entanto, a frágil referência a esse tema crucial levanta sérias preocupações sobre a importância que este Governo pode estar efetivamente a dar á necessidade urgente que Portugal tem em investir em infraestruturas verdes que possam salvar vidas e atividades económicas no curto e médio prazo. E o Governo poderia “ganhar” com isto quer a nível popular quer a nível de finanças públicas.
Vejamos a importância de uma abordagem robusta à adaptação climática em Portugal:
- A proteção dos ecossistemas é fundamental. Uma abordagem proativa à adaptação pode preservar a biodiversidade e garantir que os serviços ambientais que sustentam a vida continuem a existir. Sem estes ecossistemas setores como a agricultura, têxtil, cosmética, mobiliário, pasta e papel, turismo e hotelaria podem perder clientes e receitas significativas, e aumentar o desemprego e a despesa pública;
- A agricultura, que é um pilar da economia nacional, está sob constante ameaça das mudanças climáticas. A adaptação é uma necessidade imperiosa para assegurar a produtividade e, consequentemente, a segurança alimentar. Um setor agrícola que não seja capaz de se adaptar ás mudanças climáticas poderá levar a inflação futura devido á ausência de alimentos, perda de valor do setor, e aumento da despesa pública;
- A saúde da população está diretamente ligada ao clima. O aumento de doenças respiratórias e a propagação de enfermidades transmitidas por vetores são apenas algumas das consequências que podem ser mitigadas com políticas de adaptação eficazes. Um sistema de saúde que ignora este tema, está a atirar para o futuro despesas públicas de saúde que serão insuportáveis numa sociedade envelhecida;
- Investir em infraestrutura que resista às intempéries é mais do que uma necessidade; é uma obrigação. A adaptação pode, efetivamente, diminuir os custos a longo prazo, evitando danos que poderiam ser catastróficos para a economia. Estes investimentos podem também criar emprego, novos negócios e uma nova dinâmica regional, aumentando a receita pública decorrente dos novos negócios;
- As comunidades mais vulneráveis são, frequentemente, as mais impactadas pelas mudanças climáticas. Políticas inclusivas e equitativas são essenciais para garantir que todos tenham acesso às ferramentas e aos recursos necessários para se adaptarem. Estas políticas aumentam a paz social e promovem um contexto de harmonia e coesão social tão necessária hoje em dia.
É assim imperativo que o governo intensifique a discussão e a implementação de estratégias de adaptação ao clima. Ignorar essa questão pode resultar em consequências irreversíveis. O silêncio em torno do tema no Programa de Governo é um alerta que não pode ser ignorado. A consciencialização e a mobilização da sociedade civil, em parceria com políticas governamentais eficazes, são cruciais para assegurar que Portugal esteja preparado para enfrentar os desafios climáticos que se avizinham.
A adaptação ao clima deve ser encarada como um imperativo estratégico, não como um detalhe marginal, mas como uma questão central ao desenvolvimento económico e á coesão social do pais.
PhD, CEO da Systemic