Acerto de contas

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Sem surpresa, os media de referência europeus relataram a conversa de Trump com Putin como mais um acto de cumplicidade do presidente americano com o seu parceiro russo. 

A BBC disse que Trump tinha “alinhado com seu amigo do Kremlin”; enquanto o Financial Times se perguntava se o facto de os Estados Unidos se prepararem para lavar as mãos em relação à guerra não quereria também dizer que iam parar com todo e qualquer apoio militar e de inteligência à Ucrânia. 

Recorde-se que em 2014 a Administração Obama tinha intervindo secretamente no país na chamada revolução Euromaidan, de que resultara a destituição, por pressão da rua, do presidente Victor Yanukovych – pró-russo, mas eleito numa eleição considerada “reasonably free and fair” pelos observadores internacionais. No decurso da operação, a Secretária de Estado Adjunta para os Assuntos Europeus e Asiáticos, Victoria Nuland, em conversa com o embaixador americano em Kiev, Geoffrey Pyatt, chegou mesmo a discutir os nomes das personalidades da oposição que deviam ou não integrar o governo ucraniano. 

Recorde-se também que, anos depois, quando Putin ameaçou invadir a Ucrânia se o país entrasse na NATO, Biden foi dizendo que “os Estados Unidos nunca iriam para uma guerra com a Rússia” – declaração que o senhor do Kremlin terá entendido como livre-trânsito. 

E a tragédia aconteceu em Fevereiro de 2022. Entretanto, apesar de uma retórica fantasiosa sobre os acontecimentos militares, a Administração Biden e os aliados europeus acharam cómodo desgastar os russos, até a último ucraniano. 

A chegada de Trump à Casa Branca veio perturbar o jogo. Seguiu-se um frenesim de cimeiras dos europeus, com Macron e Starmer, e depois também Merz e Tusk (todos eles a braços com oposições nacionalistas e populares), a armadilharem habilmente os esforços da Administração Trump para conseguir o cessar-fogo e a paz. Num último esforço, intimaram Putin a não faltar ao encontro de Istambul com Zelensky, sabendo que intimá-lo era receita certa para que não comparecesse. 

Assim, na reunião de Sexta-Feira, 16 de Maio, em Istambul, em que as duas delegações inimigas se sentaram frente a frente, não houve líderes e não se acordou o tempo do cessar-fogo.  Mas houve acordo quanto a uma troca de prisioneiros de guerra – mil de parte a parte, a maior troca desde que as hostilidades começaram. Pelo menos a estes dois mil, Trump trouxe algum benefício. 

No combate geral europeu entre nacionalistas-patriotas e internacionalistas-globalistas, o Domingo, 18 de Maio teve resultados mistos: em Portugal, para surpresa de alguns, o “campo nacionalista” averbou uma vitória com a subida do Chega e a derrota histórica da Esquerda unida; na Roménia,  para surpresa de outros, os globalistas conseguiram bater à segunda volta o nacionalista Simion que, com 41% na primeira volta, saiu derrotado pelo candidato europeísta Nicusor Dan, que passou de 21% a 53,6%. Simion já declarou que vai contestar, alegando “interferência estrangeira” (o pretexto do Tribunal Constitucional romeno para anular a eleição ganha em Novembro pelo candidato de “extrema-direita” Calin Georgescu). 

Resta a Polónia, que vai à segunda volta presidencial depois de o candidato da geringonça Tusk, o autarca de Varsóvia Rafal Trzaskowski, ter tido 31,4% contra os 29,5% do nacional conservador Karol Nawrocki, do Lei e Justiça. Só que o terceiro classificado, o libertário de direita Slawomir Mentzen, irá com certeza endossar Nawrocki. 

Vamos ver. 

Politólogo e escritor

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia

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