Abstencionistas e indecisos: a maioria absoluta escondida
A uma semana do ato eleitoral, nada parece estar decidido. No entanto, as sondagens têm permitido uma leitura das preferências e das opções que se pode estruturar em três camadas e uma incógnita, podendo esta última ser a chave do problema.
Vamos às camadas. No topo, PS e AD estão basicamente empatados, nos 20 e poucos por cento. Socialistas e sociais-democratas são ainda percebidos como o espaço de confiança e maior credibilidade para a administração do país. É certo que, enquanto partidos tradicionais do arco do poder, não têm mostrado uma especial capacidade de adaptação aos novos desafios da política, mas lá vão resistindo. Em termos práticos, o futuro primeiro-ministro de Portugal será Pedro Nuno Santos ou Luís Montenegro, apenas faltando determinar a sua base de apoio.
Numa segunda camada está o Chega, que pode ter entrado numa espiral decadente. Há uma semana, vangloriava-se de um alegado empate técnico com AD e PS, com base numa sondagem pirata “made in Brasil”; agora, as sondagens válidas dão-lhe metade da votação dos adversários e em queda pronunciada. A anatomia da narrativa de André Ventura é chocantemente demagógica: 1) o país é um mar de corrupção, escapando apenas o Chega; 2) o país foi invadido por imigrantes, que roubam os nossos empregos, recursos e segurança; 3) o Chega vai resolver os problemas muito rapidamente, com medidas tão populares como a abolição das portagens em todo o país; 4) o Chega vai cortar nos impostos à bruta; 5) Para pagar as promessas, o Chega não precisa de fazer contas, bastando-lhe ir buscar os bens dos corruptos. Com este cardápio, não admira que esteja a cair.
Na terceira camada, estão todos os outros, algures entre os 1% e 3%, que apresentam agendas muito diferenciadas e representativas dos nichos: o intelectual Livre; o ultraliberal IL; o estatizante CDU; o anticapitalista BE; e o PAN, que, de tanto bascular, já não se sabe bem o que defende, para além do lugarzinho da sua líder. Nenhum deles terá um peso específico que lhe confira a capacidade de impor as suas ideias, valendo, apesar de tudo, como parcelas para compor um bloco que viabilize uma base parlamentar de apoio a um governo.
Agora a incógnita: a abstenção e os indecisos. Aqui poderá residir o “game changer”. Nas últimas eleições, a abstenção real, líquida das imprecisões dos cadernos eleitorais, foi de cerca de 35%. A questão é saber se se abstêm por comodismo, confiando no desfecho “esperado” da bipolarização, o que significa que aceitam PS ou PSD; ou se, noutra perspetiva, se abstêm por protesto contra o sistema, o que os aproximaria mais de opções extremistas, da direita ou da esquerda. Haverá, seguramente, de uns e de outros. Se, face ao momento particularmente sensível da política portuguesa, uma parte destes eleitores resolver comparecer nas urnas, tudo pode mudar.
Em relação aos indecisos, as sondagens mais recentes apontam para os 18%, três quartos dos quais afirmam que irão votar, embora só se decidam em cima da data da eleição. Em 2022, a maior parte caiu para o lado do PS.
Numa campanha eleitoral, a primeira semana é de mobilização das hostes de cada lado. Na segunda semana, é preciso ir comer ao eleitorado dos adversários e, sobretudo, ir à procura dos abstencionistas e dos indecisos. A tal maioria absoluta escondida, à espera de ser convencida.