A virtude do centro político e o pragmatismo da terceira via
Num tempo de crescente polarização, desinformação e radicalização, reafirmar a importância do centro político e do pragmatismo da terceira via não é apenas um exercício académico mas um imperativo democrático. A história recente mostra-nos que sociedades que perdem o equilíbrio, que deixam de ouvir o outro lado e que se deixam capturar por visões extremadas acabam, invariavelmente, por perder. O centro político representa o espaço da escuta, da construção de consensos e da busca por soluções sustentáveis e inclusivas. É o “no meio é que está a virtude” aplicada à vida pública.
O centro político não é sinónimo de indecisão ou ambiguidade. É, antes, uma escolha exigente que recusa o conforto das respostas fáceis e das ideologias fechadas para abraçar a complexidade dos desafios reais. É por isso que a “terceira via” continua a oferecer uma alternativa credível às falsas dicotomias entre Estado e mercado, entre liberdade individual e solidariedade coletiva, entre inovação e proteção social. A terceira via reconhece que os problemas do século XXI - das alterações climáticas à inteligência artificial, da desigualdade à geopolítica fragmentada - exigem políticas públicas que cruzem alternativas e ciências orientadas por resultados e não por dogmas.
Neste esforço, as organizações da sociedade civil desempenham um papel insubstituível ao promoverem o diálogo social, aproximarem os cidadãos da tomada de decisão e ajudarem a construir pontes entre diferentes visões e interesses. Num tempo em que o espaço público é muitas vezes capturado por vozes extremadas, é a sociedade civil que frequentemente mantém vivo o espírito de participação construtiva e de responsabilidade cívica e contribui para a mediação de conflitos, para a promoção de direitos e para a criação de consensos alargados.
Em Portugal, como noutros países europeus, o centro político foi durante décadas a âncora da estabilidade democrática onde PSD e PS, apesar das diferenças, governaram com respeito mútuo e sentido de Estado. As reformas estruturais mais relevantes na educação, saúde ou transição energética, resultaram de compromissos entre moderação e inovação. Foi essa cultura de responsabilidade e diálogo que permitiu ao país crescer, integrar-se no projeto europeu e modernizar-se sem ruturas traumáticas. E foi também, em muitos momentos, com o contributo de movimentos cívicos, associações locais e plataformas não-governamentais que se consolidaram políticas públicas duradouras e inclusivas.
Hoje, essa cultura está ameaçada por discursos maximalistas que olham para o compromisso como fraqueza e alimentam divisões identitárias. A própria ideia de interesse comum é posta em causa por agendas que priorizam a pureza ideológica ou o antagonismo estratégico. Contra este pano de fundo, defender o centro político moderado é, paradoxalmente, uma manifestação radical. É recusar o cinismo e a confrontação e acreditar que a política pode e deve servir para melhorar a vida das pessoas concretas.
O pragmatismo da terceira via não é ausência de valores, mas antes a sua operacionalização eficaz. É acreditar na economia de mercado regulada e justa. No papel do Estado eficiente e inovador. Na abertura ao mundo e na coesão interna. Na equidade com responsabilidade individual. Na sustentabilidade com crescimento. São estas as combinações que verdadeiramente importam num mundo em transição.
O futuro das democracias depende da sua capacidade de oferecer soluções reais para problemas reais. O centro político e a terceira via, longe de serem vestígios do passado, podem ser o motor de uma nova era de responsabilidade pública, compromisso social e confiança mútua. Porque a moderação não é desistência mas ambição com sentido ético e o pragmatismo não é cálculo frio mas ação responsável em nome do bem comum. É tempo de voltar a dar-lhes voz.
Professor Convidado IEP/UCP e NSL/UNL