A venda da TAP “boa”
A privatização da TAP deverá avançar nas próximas semanas, com o arranque do processo de venda de até 49% do capital da companhia aérea. Tal como o DN avançou no mês passado, a oposição do PS e do Chega à venda de mais de metade do capital impede uma privatização integral da TAP, que seria o cenário desejado pelo Governo. Porém, mais do que saber qual será a percentagem do capital que o Estado pretende manter na companhia, é importante perceber qual o papel que deseja ter na gestão da TAP.
Neste capítulo, temos de olhar, antes de mais, para o Partido Socialista. O antigo líder do partido, Pedro Nuno Santos, tornou claro que só aceitaria a privatização da TAP se esta incidisse sobre menos de metade do capital e se, além disso, o Estado mantivesse um papel ativo na gestão. Por outras palavras, o PS de Pedro Nuno Santos não aceitava um cenário em que o Estado permanecesse o maior acionista, mas a gestão estivesse inteiramente nas mãos dos privados. Já o novo líder do PS, José Luís Carneiro, tem posições ditas mais “moderadas” do que o seu antecessor e não se sabe ainda se manterá a exigência de o Estado manter esse papel ativo na administração da companhia.
Este tema pode parecer um pormenor ou uma questão menor, mas poderá revelar-se decisivo, quer na perspetiva de quem vende, quer na de quem compra. Até porque dificilmente os consórcios que manifestaram interesse na TAP quererão investir na empresa se não houver perspetivas de uma redução da presença do Estado na companhia, a médio e longo prazo. E, sobretudo, se não tiverem desde já o controlo da gestão. De certa forma, esta questão da TAP será um pequeno “teste do algodão” à proverbial moderação de José Luís Carneiro no plano económico.
Igualmente decisivo será o papel do Chega. O partido liderado por André Ventura já tornou claro que se opõe à privatização total da TAP, devido à importância que a companhia tem para o que considera serem os interesses estratégicos do país. O Chega estará, porém, aberto a uma privatização parcial da TAP.
Face a isto, poder-se-ia pensar que bastaria ao Governo alcançar um entendimento com o PS ou com o Chega, juntamente com a Iniciativa Liberal, para viabilizar a operação. Porém, a realidade é mais complicada que isto e qualquer acordo terá de envolver os dois maiores partidos da oposição e não apenas um deles. O cenário político é muito incerto, no médio e longo prazo. Que comprador quererá correr o risco de, dentro de meia dúzia de anos, ter de lidar com um governo do PS ou do Chega, que tente reverter a privatização? É certo que a Lufthansa ou a Air France não são a mesma coisa que o grupo do empresário David Neeleman, quer em termos de dimensão, quer de influência política e até diplomática. Mas não deixa de existir o precedente de um grupo privado que entrou na TAP contra a vontade do maior partido da oposição da altura e que, poucos anos depois, acabou por ver a operação ser revertida.
Entretanto, importa perceber os custos que os contribuintes terão de assumir com esta operação. Sendo certo que já existe uma TAP “boa” (a que vai ser vendida) e uma “má” (a TAP SGPS, onde ficaram a dívida de 177 milhões à brasileira Azul e outras contingências), será de esperar que, mais uma vez, o filet mignon fique para os privados e as perdas para os contribuintes, após anos a fio de litigância. Esperemos que, qualquer que seja a decisão final em relação à venda da TAP, o interesse público seja devidamente salvaguardado.