A Ucrânia à espera do fim do Mundial

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O Mundial de Futebol é sempre um parêntesis na vida dos aficionados, que são mesmo muitos. Em todo o mundo, as pessoas reservam uma parte do seu tempo e da sua atenção para dedicar aos jogos e deliciar-se com as surpresas. É um daqueles períodos em que, pontualmente, as lógicas do poder e do talento se baralham. O Irão que bate os europeus de Gales, a Alemanha que ajoelha perante o Japão ou a Croácia que não passou do nulo com Marrocos. É lindo.

Com o tema da violação dos Direitos Humanos no Qatar, a atenção política virou-se também para as areias quentes das arábias. Ativistas, organizações não-governamentais, políticos e comunicação social dedicam-se ao cálculo impossível das mortes na construção dos estádios e à desgraçada condição das mulheres, homossexuais, lésbicas e outras pessoas que por lá habitam. Porém, este parêntesis lançou a penumbra sobre um assassinato em massa que está a decorrer na Ucrânia e sobre a possibilidade de estar a nascer uma Terceira Guerra Mundial.

Ninguém melhor do que os Russos conhece o poder do Inverno. Para ser mais preciso, do General Inverno, que foi decisivo na Segunda Guerra Mundial. Agora, face à óbvia impreparação do seu Exército no terreno, Putin encetou a mais negra das estratégias de guerra: destruir a infraestrutura de energia civil para, paulatinamente, esperar que as temperaturas negativas vão congelando os Ucranianos, matando-os ao frio e à fome.

A este genocídio, o Ocidente vai assistindo sem sujar muito as mãos. Apoia militarmente à distância, é certo, mas não há míssil ou carro de combate que traga àquele povo o calor que a vida reclama. Com as centrais elétricas convencionais semidestruídas por todo o país e com a necessidade de desligar centrais nucleares para evitar o desastre radioativo, não haverá salvação possível para milhares, senão milhões, de pessoas.

Tudo isto acontece às portas da Europa, com os Estados Unidos e a China a lucrarem com a crise da energia, das matérias-primas e dos alimentos. As Nações Unidas bem se vão queixando, mas estão reféns da capacidade de veto da Rússia no Conselho de Segurança. Putin continua impune e não se vislumbra capacidade de decisão da comunidade internacional para o travar. O mundo está fechado no seu conforto, queixando-se de uma inflação que, em boa verdade, apenas toca de raspão nos padrões de vida do Ocidente. Talvez depois do Mundial de Futebol se debruce um pouco mais sobre o problema ucraniano, o qual, entretanto, se vai agravar dramaticamente ao longo das próximas semanas.

Pelos padrões do século passado, as potências democráticas, dirigidas por pessoas como Winston Churchill, já teriam dado um ultimato a Putin. Agora, à conta do temor pela ameaça nuclear, o mundo acobardou-se e permite um precedente que, no futuro, pode vir a repetir-se a partir de outras autocracias que também têm a bomba.

É duro pensar isto, mas não vejo outra forma digna e eficaz de travar este e outros "Putins" que não seja dar um prazo para uma resolução diplomática do conflito, fechar de imediato o espaço aéreo da Ucrânia e expulsar a Rússia do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Findo o ultimato, e em caso de insucesso, o Ocidente terá de ponderar uma nova guerra global. Quem sabe, depois do Mundial.

Professor catedrático

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