A TAP acha que pode fazer o que quer?

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O relatório que o Tribunal de Contas divulgou ontem, sobre uma série de contratos da TAP assinados em 2023 e 2024, é um documento que deveria merecer a mais profunda reflexão do Governo, da tutela direta sobre a empresa, do Parlamento e da sociedade civil. Resumindo o que ali vem: a TAP formalizou, pelo menos, 29 contratos, no valor global de 473 milhões de euros, e só pediu a (obrigatória) fiscalização prévia ao Tribunal de Contas quando estes já estavam a produzir efeitos, materiais e financeiros. Em alguns casos, os contratos - muitos deles relativos ao fornecimento de jet-fuel (combustível para aviação) - só foram enviados à fiscalização depois de terem sido integralmente pagos. Ou seja, os gestores da companhia violaram a lei do Tribunal de Contas, uma entidade que está ali para fiscalizar a despesa pública.

O facto de todos os anos, nos milhares de contratos que passa a pente fino, o tribunal encontrar atropelos iguais ou maiores cometidos por outras entidades, não retira gravidade ao que se passou.

Para começar, a TAP não se pode esquecer de que tem responsabilidades acrescidas, que resultam do facto de ter recebido 3,2 mil milhões de euros dos contribuintes portugueses. Uma ajuda que chegou na sequência de anos e anos de péssimos resultados operacionais.

Em resposta ao TdC, os gestores da TAP argumentaram que “estavam perante uma urgência imperiosa que permitia a execução” dos contratos em causa. Invocaram ainda um “estado de necessidade desculpante”, chegando a invocar o plano de reestruturação que a Comissão Europeia impôs à companhia em troca das ajudas de Estado.

Na prática, a TAP respondeu ao Tribunal de Contas duas ou três coisas. A primeira é que o seu negócio é de tal forma importante e as suas decisões tão urgentes que dispensam fiscalização. Depois, que as necessidades da TAP constituem desculpa automática a eventuais atropelos ao escrutínio exigido pelo TdC. E terceiro, que o programa de reestruturação é, em si mesmo, não uma exigência adicional de rigor, mas uma justificação para não o praticar.

Em bom rigor, a TAP não tem o exclusivo do enfado para com o Tribunal de Contas e para com as suas regras, por acaso vertidas em Lei. Por isso vamos lendo as críticas de presidentes de câmara à “burocracia do Tribunal de Contas” ou às suas “exigências desproporcionais” que não permitem às autarquias fazer nada. E por isso vamos assistindo, todos os anos, ao avolumar de ajustes diretos no portal BASE, aos falsos procedimentos concursais ou à divisão dos valores a adjudicar em vários contratos, para evitar os pedidos obrigatórios de fiscalização prévia. Técnicas para contornar o escrutínio levadas a cabo por autarquias, pela Administração Central ou pelo setor empresarial do Estado.

Há maus exemplos em todo o lado. Mas quanto mais estes atropelos se sucedem, sem consequências de maior para os envolvidos, mais se vai deteriorando a perceção dos cidadãos quanto à seriedade dos que gerem a coisa pública. E mais Portugal vai descendo nos níveis da qualidade da sua democracia e do combate à corrupção.

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