A sopa de letras

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Depois das legislativas de maio há um recorde máximo de 10 partidos representados na Assembleia da República de Portugal - PSD, CH, PS, IL, L, PCP, CDS-PP, BE, PAN e JPP.

Na Câmara dos Deputados do Brasil, as eleições gerais de 2022 traduziram-se num recorde mínimo de 16 graças à criação de federações partidárias e às cláusulas de desempenho.

Dos 30 partidos na legislatura de 2018 a 2022 - PT, PSL, PP, MDB, PSD, PR, PSB, PRB, PSDB, DEM, PDT, SD, PODE, PTB, PSOL, PCdoB, PSC, PROS, PPS, Novo, Avante, PHS, PATRI, PV, PRP, PMN, PTC, DC, Rede, PPL -, o país reduziu a sopa de letras a FE Brasil, PSD, MDB, PSB, PSOL-Rede, Avante, Solidariedade, PL, PP, PSDB-Cidadania, PODE, PRD, NOVO, União, PR e PDT.

Isto é, depois de 19 anos como dono do poder legislativo mais fragmentado do mundo, o cientista político Michael Gallagher, do Trinity College Dublin, classifica agora o Brasil na segunda posição do ranking, atrás da Bélgica.

Mas a redução de quase 50% no número de partidos com assento parlamentar não diminui as dores de cabeça do poder executivo.

Por exemplo, o União, mesmo com duas pastas no governo de Lula da Silva, tem um pré-candidato às presidenciais de 2026, Ronaldo Caiado, que, em entrevista recente ao DN, considerou o executivo “um misto de mau-caratismo e incompetência”.

O PP, apesar de controlar um ministério, é liderado por Ciro Nogueira, braço direito de Jair Bolsonaro no governo anterior, que nos últimos dias chamou Lula de “pau mandado da [primeira-dama] Janja”.

O MDB, com três pastas, reúne de lulistas roxos a bolsonaristas ferrenhos e têm em Michel Temer, que é uma coisa e outra e nenhuma delas ao mesmo tempo, a mais fiel tradução.

Já Gilberto Kassab, presidente do PSD, partido com outros três ministérios, é o principal fiador de Tarcísio de Freitas, o governador de São Paulo que é o mais provável candidato presidencial da direita contra Lula em 2026.

E até o PDT, do presidente Carlos Lupi, fidelíssimo aliado do PT, lança invariavelmente à presidência Ciro Gomes, que disse esta semana que “Lula enche os bolsos dos banqueiros”.

Ou seja, a complexa democracia brasileira embrulha política nacional com interesses estaduais, tudo enrolado em cálculos locais e conveniências pessoais. É um xadrez intrincado em que às vezes as torres se movem na diagonal, os bispos na horizontal e os cavalos fazem xeque ao rei da mesma cor.

Esse xadrez à brasileira, porém, não preocupa Lula, que se move sobre ele desde sempre com a destreza de um Kasparov.

O que vem desgastando o presidente e o governo - a desaprovação ao governo chegou a recorde de 57% - são as notícias sobre o aumento do imposto sobre operações financeiras (o IOF), contra o qual a oposição nada faz, diga-se de passagem, a taxação do sistema de pagamento instantâneo local (o PIX), amplificada por desinformação online de bolsonaristas, e uma fraude na Segurança Social (o INSS), que até vem do tempo do governo anterior.

IOF, PIX e INSS: não é a sopa de letras partidária mas sim estas siglas que esfacelam a popularidade - e tiram o sono - de Lula.

Jornalista, correspondente em São Paulo

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