A solidão existencial
A empatia é recurso muito importante no ser humano.
Permite interagir com os outros, promover a comunicação e a compreensão, criar conexão social e um mundo partilhado. A empatia é uma tentativa de compreender o outro. É comum entendermos a empatia, como uma maneira de nos pormos no lugar do outro, de podermos saber o que o outro pensa e sente. No entanto, é uma tentativa, porque na realidade, não podemos de facto viver a experiência do outro. E ainda bem que assim é. Quando se sentisse e pensasse, exatamente o mesmo que outra pessoa, deixaria de existir uma diferença entre dois seres. É como se uma espécie de lei constitucional da vida fosse quebrada. A alteridade promove o nosso desenvolvimento. Nos olhos de um cuidador, de um outro, o bebé começa desde muito cedo, a reconhecer-se a si mesmo, como um ser único. Por um lado, essa diferença, essa alteridade, promove o desenvolvimento do nosso ser, por outro, nunca seremos capazes de pensar e sentir o mesmo que outra pessoa.
Em suma, a empatia é uma ponte. Liga-nos, mas existirá sempre um abismo experiencial, entre os mundos de cada um de nós. Talvez por isso, seja já um lugar-comum, reconhecer que a solidão pode ser sentida de diferentes formas. Desde logo, uma solidão mais física, na qual nos sentimos sozinhos, longe de todos. Mas talvez a pior forma, e que por vezes se traduz numa dor incomensurável, sejam o isolamento e a solidão existenciais. Quando estamos rodeados de pessoas, por vezes até de pessoas chegadas, mas não sentimos a compreensão, o afeto, a ligação humana que torna possível as pessoas serem e crescerem, em ambiente de bem-estar. Quando em ausência desse bálsamo, quer seja dentro de uma família, de um casal, de uma relação, quer seja no deserto do Namibe, a solidão existencial torna-se angústia e dor psicológica. Não é preciso atravessarmos o mundo, para nos sentirmos profundamente sozinhos. Basta uma lacuna nas pontes da empatia.
Um estudo muito recente, com 500 adultos, demonstrou que as pessoas que sentiam mais solidão existencial, tinham maiores níveis de ansiedade e sintomatologia depressiva. Para estas pessoas, quanto maiores os índices de isolamento, maiores os níveis de sintomas, e menor era a intenção de procurar ajuda psicológica, assim como menor era a crença de que a ajuda profissional poderia ser de alguma forma útil. Num outro estudo, que envolveu pessoas com diagnóstico de depressão, estudou-se a intervenção de dois grupos de médicos psiquiatras. Um grupo prescreveu um placebo, mas realizou uma interação mais empática e humana, o outro grupo de médicos prescreveu um antidepressivo, mas teve uma interação mais distante com os pacientes.
Este estudo conclui que, os efeitos da pessoa do psiquiatra e a sua capacidade empática, mesmo quando a prescrição era um placebo, foram superiores à medicação para a diminuição de sintomas depressivos. O maior estudo realizado sobre o bem-estar e felicidade foi realizado pela universidade de Harvad. Foram acompanhadas 750 pessoas, de diferentes enquadramentos sociais, ao longo de 75 anos para tentar estudar várias áreas das suas vidas. O projeto ainda decorre, alguns dos participantes têm cerca de 90 anos, e o estudo já vai no seu quarto diretor. Conclusões? Milhares de dados e de páginas escritas da investigação, resumem-se numa frase: as boas relações mantêm-nos mais felizes e saudáveis. O estudo salienta alguns aspetos sobre as relações humanas. A solidão mata. O isolamento relacional e existencial é responsável por mais doença, menor esperança de vida, maiores níveis de mal-estar psicológico. Mas não se trata apenas de ter muitas relações ou do tempo que estas permanecem. É sobretudo a qualidade das relações e da intimidade experienciadas que fazem a diferença. As boas relações acabam por promover maiores níveis de bem-estar, e maior capacidade para lidar com diferentes adversidades da vida. Incluindo doenças. Num mundo cada vez mais digitalmente vertiginoso, onde o tempo parece escapar-nos por cabos e ligações eletrónicas, o que mais nos liga e protege, parece ser a empatia e as relações de afeto.
Diretor Clínica ISPA