A Segunda Lei de Conquest e a Direita que se tornou Esquerda

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Com base na sua experiência como historiador e especialista em regimes totalitários, Robert Conquest formulou três leis da política, sendo que a segunda, que nos interessa particularmente, estabelece que “Qualquer organização que não seja explicitamente de direita acaba por tornar-se de esquerda”. Esta lei, implacável no domínio da política moderna como a segunda lei de Newton no contexto da mecânica clássica, sugere, de forma humorística mas certeira, que organizações que se esforçam por se apresentar “neutras” ou de “centro” tenderão necessariamente, mesmo que inadvertidamente, a inclinar-se para a esquerda.

O autor de títulos incontornáveis como The Great Terror: Stalin’s Purge of the Thirties (1968), The Harvest of Sorrow: Soviet Collectivization and the Terror-Famine (1986) e Reflections on a Ravaged Century (1999), sintetizou assim brilhantemente a fatalidade que impõem a si mesmas as organizações políticas – desde logo, os partidos – que, por pressão mediática e cultural (e, diga-se, grupal), julgam que a sua renúncia a afirmarem-se de direita constitui um contributo indispensável ao compromisso democrático, quando é, na verdade, por esvaziamento autoinfligido, a sua própria inviabilização.

A validade da segunda lei da política de Robert Conquest tem sido demonstrada um pouco por todo o mundo ocidental e, como seria de esperar, também em Portugal, onde os partidos ditos de direita não só se dizem cada vez menos de direita como são, na verdade, segundo dita a lei de Conquest, cada vez mais de esquerda. A recente polémica envolvendo a ministra da Juventude e Modernização, Margarida Balseiro Lopes, a propósito do recurso à expressão “pessoas que menstruam” por parte da DGS no âmbito de uma campanha sobre saúde menstrual, permite perceber, in nuce, o essencial. A ministra defendeu a escolha dessa expressão como uma abordagem “inclusiva” e “neutra do ponto de vista do género”, alinhada com putativas diretrizes científicas internacionais em matéria de direitos humanos e saúde.

E é aqui, justamente, na alegada utilização de linguagem neutral, que reside a grande cilada na qual esta direita, resvalando para a esquerda, insiste em incorrer. Porque, na verdade, não se trata de neutralidade mas de ideologia. E trata-se de política, pois temos de assumir que o governo PSD/CDS, já apanhado pela segunda lei de Conquest, parece não ter ainda percebido que é impossível governar à direita com um modelo cognitivo, ético e linguístico de esquerda. É impossível governar à direita governando à esquerda. É impossível ser de direita, enfim, sendo de esquerda.

A suposta neutralidade não é neutral. É, como toda a ideologia, uma tomada de posição e um juízo de valor. Não é por respeito à neutralidade que se substitui “mulher” por “pessoa que menstrua”: é por motivos políticos e ideológicos. Proceder à redefinição de toda uma categoria antropológica apenas para alinhá-la com a moda ideológica dominante não passa de um experimento de engenharia social frontalmente atentatório, em primeiro lugar, da dignidade da pessoa humana e, em segundo, da pessoa feminina. Que, pelo menos desde que há pessoas, é a única pessoa que menstrua. A suposta neutralidade da expressão “pessoa que menstrua” é uma reinterpretação tão furiosa e tão radical da condição de mulher que o seu desfecho, linguístico e antropológico, só poderia ser este: o apagamento da própria mulher. Nem a insuspeita Simone de Beauvoir se atreveria a ir tão longe como a escrever “Ninguém nasce pessoa que menstrua; torna-se pessoa que menstrua”.

Mas não é só a mulher que estes herdeiros das ideias radicais de “tolos, impostores e incendiários” (segundo a expressão de Roger Scruton), como Foucault ou Derrida, entre outros, querem neutralizar. É também a direita que se assume explicitamente de direita e que recusa ceder à pressão – vinda da Academia, dos meios culturais, da comunicação social e das instituições políticas – para se tornar de esquerda. É a direita que assume, apesar de toda a censura, o modelo cognitivo, ético e linguístico conservador. É a direita que, denunciando o perigo das chamadas teorias críticas, do wokismo e da ideologia de género, se atreve ainda a chamar mulher à mulher.

Nesta verdadeira batalha existencial para a direita, o atual governo da AD escolheu o lado da esquerda, tornando-se claro para todos que, não obstante o PS ter sido substituído por PSD/CDS na liderança do executivo, Portugal continua a ser governado à esquerda (de resto, coerentemente, o Primeiro-Ministro disse recentemente que era social-democrata – uma ideologia de esquerda em qualquer parte do mundo – e rejeitava o liberalismo).

Ora, se assim é, este governo tem de contar com a mais firme e resoluta oposição de todos os que são explicitamente de direita. O governo PSD/CDS, apanhado na armadilha de uma linguagem supostamente apolítica, neutra, inclusiva, mas que na verdade esconde uma adesão, mais ou menos inconsciente, mais ou menos resignada, a princípios políticos e ideológicos de esquerda, os quais valida e perpetua e nos quais se trai e dilui, não pode pois pretender representar um eleitorado de direita ao mesmo tempo que, tanto em termos de discurso quanto de política prática, governa à esquerda e se rende à sua hegemonia cultural e ideológica.

Nunca como hoje foi tão importante ser claro. O cenário político atual é um campo de batalha onde a direita tem de se assumir e passar à ofensiva, avançando como um exército destemido, rompendo as trincheiras – políticas, ideológicas, culturais – erguidas pela esquerda. Não podemos mais temer confrontar os falsos profetas, que, paralisados pela sua indecisão e pela sua falta de clareza, desvirtuam a essência da direita para transformá-la em algo, a todos os níveis, indistinguível da esquerda. A suposta direita que se tornou esquerda é tanto nossa adversária quanto a esquerda que quer negar à direita o direito de existir e tem de ser por isso denunciada e combatida.

Nesta atmosfera dominada pela nebulosidade, tem de emergir uma direita que é e se assume sem rodeios de direita e é cada vez mais uma chama que arde e ilumina. Arde no coração de quem ainda acredita numa direita sem medo de ser fiel a si mesma e ao seu projeto de poder – e ilumina o caminho, árduo, mas cheio de promessas, para lá chegar.

Tiago Moreira de Sá

Professor Universitário, Eurodeputado eleito pelo Chega

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